28.2.06

Early Morning Blogs 1


O meu amigo Xikote ajudou a organizar mais uma festa com boa música dos anos 80 e 90, com direito a projecção de imagens míticas da minha infância e adolescência: McGyver, Knight Rider, Mr. T, Atari 16K (!), golo do Maradona contra a Inglaterra no Mundial'86 e, claro, o golo do Madjer em Viena (yes!).
Depois de uma memorável passagem de ano que milagrosamente foi tolerada pelos vizinhos até os galos cantarem (não na festa, claro, mas lá onde eles cantam), foi a vez de uma festa que me levou pela primeira vez a entrar no Teatro Sá da Bandeira (estranho ver uma plateia sem cadeiras, mas o contraste disco/teatro antigo resultou). E desta vez sem escadas, embora as rampas fossem perigosamente inclinadas (private joke).
Antes já tinha feito uma paragem para abastecimento num multibanco, onde me apareceu uma bruxa simpática (pronto, R., muito simpática), que mais para o fim da noite me obrigou a ir ao Pop (eu não queria nada, claro) que como sempre estava em grande, num Carnaval com tema greco-romano.
Xikote, fico à espera de uma festa de Verão. Ou melhor, de Primavera, que é mais cedo ;)

27.2.06

Hamas democrático

Há uns tempos (sobretudo na parte III do post O Grande Problema de hoje) defendi que, por paradoxal que pudesse parecer, a vitória do Hamas poderia ser uma grande vitória da Democracia sobre o terrorismo. E isso devido à realpolitik das pressões internas e externas para a institucionalização e moderação do movimento.
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Internamente, os palestinianos puniram nas eleições a Fatah, a sua corrupção, a sua incapacidade para resolver os problemas. Em consequência, esperam do Hamas, que sempre se assumiu como moralmente superior, a melhoria da Administração Pública, o desenvolvimento, a liberdade, a segurança, o orgulho e a dignidade. Não é pouco!
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Por isso precisa de todo o apoio que conseguir. Financeiro mas também político, muçulmano mas também "infiel". Ora externamente as pressões norte-americanas e europeias têm sido no sentido do Hamas aceitar as regras do jogo democrático (estas foram as primeiras eleições em que participou, salvo erro), moderar as suas posições, repensar a aceitação do direito à existência de Israel. Numa palavra, democratizar-se.
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A verdade é que a evolução tem sido nesse sentido:
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«O designado primeiro-ministro palestiniano, Ismail Haniya, afirmou numa entrevista ontem publicada pelo diário norte-americano Washington Post que o Hamas considera uma "paz em estádios" caso Israel retire para as fronteiras de 1967. Esta paz em estádios, explicou, seria uma "trégua de longo termo", já antes prometida pelo líder espiritual do movimento, o xeque Ahmed Yassin. Quando questionado pela jornalista do Post e da Newsweek sobre se esta paz significaria a eliminação do povo judeu, Hanyia respondeu: "Não queremos atirá-los para o mar. Queremos a nossa terra de volta".
[...] Ainda ontem, os Estados Unidos afirmaram que não vão cortar na ajuda humanitária aos palestinianos.A promessa foi feita pelo responsável do Departamento de Estado David Welch, num encontro com o presidente da Autoridade Palestiniana, Mahmoud Abbas. Os Estados Unidos "são há muito um apoiante do povo palestiniano (...) e continuarão a apoiar o povo palestiniano nas suas necessidades humanitárias", garantiu Welch. Abbas aproveitou, por seu lado, para apelar à comunidade internacional para que não isole o Hamas, elogiando o escolhido pelo movimento para o cargo de primeiro-ministro, um pessoa "flexível e diplomática". "Eles vão ouvir muitas coisas que os farão pensar na sua posição política".
In Público, 27.02.2006
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Obviamente que tal não será fácil. O Ocidente tem de gerir um equilíbrio delicado entre firmeza convicta e flexilidade inteligente. Mas parece-me que isso tem sido conseguido (excluo o nosso Governo infra-chamberlainiano, a que já me referi na parte IV do tal post) . E se for um êxito, será um enorme êxito.

26.2.06

Miséria nacional... intelectual!

Ou pelo menos miserabilismo. Vasco Pulido Valente meteu-se a falar de futebol. Com o seu habitual pessimismo que de tudo diz mal, notou que a maioria dos jogadores da selecção nacional dava os toques na bola em país estrangeiro e considerou-o um «retrato da miséria nacional».

Mas por acaso isso verifica-se apenas em Portugal? Então a França, a Alemanha, a Holanda ou a Suécia, que têm os jogadores das suas selecções igualmente espalhados por ligas estrangeiras, têm uma miséria nacional semelhante à que vpv tão sistematicamente denuncia como nossa? Ou será que não estamos tão mal quanto vpv vocifera? Ou, mais simplesmente, será que vpv foi acometido do "Síndrome-de-Dirigente-do-Bloco-de-Esquerda" e lhe deu para falar de tudo, incluindo do que claramente não sabe?

23.2.06

Pardon?

A propósito de meter expressões estrangeiras nas minhas frases, lembrei-me que o meu pai não tinha tanta queda para as línguas. No inglês safava-se bem, mas o espanhol transformava-se em portunhol - mas também sem o portunhol nem parece que somos independentes - e o francês... bem, o francês... enfim, avaliem vocês mesmos.
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Uma vez ele queria dizer "agora não, eu vou depois" em francês e saiu-lhe o seguinte: "alors non, je vais depuis". O som é parecido ao português mas infelizmente significa "nesse caso não, eu vou desde"... Imaginem a cara do franciú a perguntar: pardon? E o meu pai a repetir, convicto: "alors non, je vais depuis!"
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Mas no que toca a traduções, nada como aquela cena do filme dos Goonies: empregada mexicana nova e a dona de casa pede ao Mouth para traduzir.
- Aqui os lençóis, ali toalhas, ...
E ele, tranquilo:
- Aquí la cocaína, allí la heroína... jamás mesclar, porqué si no!
E a empregada, em pânico:
- Es una casa de locos!
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E pronto, esta expressão ficou. Sempre que havia alguma confusão em casa, eu ou um dos meus irmãos dizia logo: Es una casa de locos! O facto do culpado ser provavelmente um de nós era um mero pormenor...

19.2.06

Nas últimas imagens...

... do último episódio de Seinfeld puseram esta música de fundo. I hope you had the time of your life. Se eles não tiveram a fazer, tivemos nós a ver. TV time, of course.

A minha avó e João Carlos Espada

Sábado, fim da tarde: a minha avó, a um mês de fazer 90 anos, a ler a crónica do João Carlos Espada no Expresso. Ah, grande avó!
Nota aos meus amigos de Esquerda: não, não fui eu que a obriguei.

16.2.06

Tripeiro nato

Fui fazer um teste de tripeirismo e o resultado foi este:
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Tripeiro nato
Você é um homem/mulher do Norte! Não há nada que lhe escape: que ninguém pense em abordá-lo com falinhas mansas sem um cimbalino e uma francesinha na mão! Para si, tudo o que não esteja num raio de cinco quilómetros a volta da Torre dos Clérigos é paisagem. Aprovado com distinção neste teste de Portualidade já pode ir contando com um convite para ser o rei/rainha da noite de S. João.
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O mais engraçado é que o teste obriga a saber as expressões correspondentes no dialecto alfacinha. Por exemplo, para além de saber o que é um cimbalino ou um lanche, é preciso saber o que é uma bica ou uma merendinha para acertar nas perguntas. Portanto não é só um teste de portualidade ou tripeirismo, é também de alfacinhismo (acho que acabei de inventar uma palavra) ou de ambos combinados. O que me valeu foi que eu já tive a minha dose de Lisboa (cidade de que gosto, diga-se). Uma vez pedi um Napoleão numa confeitaria (perdão, pastelaria) e a senhora ficou a olhar para mim. Depois apontei para o bolo e ela chamou-lhe outra coisa qualquer que já me esqueci. E quando descobri que em Lisboa não sabiam o que era um trengo? Isso é que foi: "Eh, pá, parabéns, hoje tás.. bem... totalmente trenga!" (com o meu melhor sorriso).

Quem será a mãe?

"O Prof. Galopim de Carvalho, também chamado pai dos dinossauros, [...]".
Ouvido na TSF, 15.02.2006

15.2.06

MST premiado

O livro "Equador", de Miguel Sousa Tavares, conquistou em Itália o prémio literário Grinzane Cavour 2006. O prémio é considerado um dos quatro mais importantes em Itália e o mais prestigiado para a literatura estrangeira publicada no país.A escolha dos vencedores é decidida por um duplo sistema: a selecção feita pelos críticos (escritores, jornalistas culturais e críticos literários) e o voto popular, constituído por leitores entre os estudantes de italiano de várias instituições nacionais e estrangeiras (Berlim, Bruxelas, Paris, Moscovo, Praga, Estocolmo, Tóquio, Cairo, Buenos Aires e Salamanca).
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Há uns tempos perguntaram a MST numa entrevista como tinha sido a reacção dos críticos literários à incursão do jornalista pela ficção. Ele sorriu e disse que se definia como contador de histórias (salvo erro), para não incomodar ninguém com uma auto-definição como escritor... E notou que nunca tinha sido convidado para os 3 ou 4 programas televisivos de literatura existentes. Será que agora, com o “reconhecimento internacional”, o vão convidar? Seria interessante. E revelador.

T-shirts

«O ministro das Reformas do Governo italiano, Roberto Calderoli, mandou fazer "t-shirts" com reproduções das polémicas caricaturas sobre Maomé publicadas por alguns jornais europeus.

"Mandei confeccionar 't-shirts' com as caricaturas contestadas pelo Islão e vou usá-las a partir de hoje", afirmou Calderoli em declarações à agência noticiosa italiana Ansa.O governante faz parte da Liga do Norte, partido que integra a coligação governamental do Executivo presidido por Silvio Berlusconi e que é conhecido pelas suas tomadas de posição xenófobas. "Estou pronto para oferecê-las a quem as pedir", acrescentou Calderoli, recusando que o seu gesto possa ser entendido como uma provocação.
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"É preciso acabar com esta fábula de que é necessário dialogar com estas pessoas. Querem humilhar-nos. É tudo", afirmou o governante. [...]
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"É necessário pôr fim a esta tendência de baixar as calças e às distinções hipócritas entre Islão terrorista e Islão pacífico", concluiu Calderoli.»


in Público online, 15.02.2006

No post O grande problema de hoje - parte IV disse que o Ocidente devia usar firmeza e inteligência. Adivinhem o que falta aqui...

14.2.06

Manias

«Cada bloguista participante tem de enumerar cinco manias suas, hábitos muito pessoais que os diferenciem do comum dos mortais. E além de dar ao público conhecimento dessas particularidades, tem de escolher cinco outros bloguistas para entrarem, igualmente, no jogo, não se esquecendo de deixar nos respectivos blogues aviso do "recrutamento". Além disso, cada participante deve reproduzir este "regulamento" no seu blogue.»
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O Ricardo do Filho do 25 de Abril passou-me esta corrente. Não gosto nada de correntes, mas esta até achei piada. E acorrentado revelo:
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1. Mapas. Adoro mapas, de países, cidades, tudo. Adoro mapas e atlas antigos. Tenho obras sobre a evolução dos mapas políticos da Europa. Em miúdo devorava Atlas e globos (salvo seja). E ainda hoje não percebo como é que as pessoas nunca ouviram falar no enclave de Kaliningrado (caramba, aquilo já deu uma guerra e até pode dar outra de novo).
Um mapa é a primeira coisa que arranjo quando vou viajar, de preferência ainda cá ou então mal chego ao destino. Um excelente site para programar um itinerário, com direito a mapas de estradas e ruas pormenorizados, indicando pontos de referência, é o do Automóvel Clube britânico (procurem o advanced route planner). E até tem os sentidos de trânsito, o que me teria dado bastante jeito daquela vez que entrei numa avenida de três faixas... todas em sentido contrário, infelizmente! Que querem, pelo mapa fazia sentido virar ali!...
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2. Tenho uma maneira especial de segurar um livro ou jornal quando estou a ler. Seguro por cima, com o cotovelo apoiado no joelho ou na coxa, assim:
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3. Tenho a mania de fazer caretas (involuntárias) quando estou a pensar compenetradamente.
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4. Tenho o tique de estar sempre a bater com os nós dos dedos nos dentes (sim, leram bem).
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5. Tenho a mania de meter expressões em línguas estrangeiras no meio do que digo. Preferidas: I rest my case, no way, you're out! (adoro esta), grazie, ah non je pèse! (esta é private), private, etc., etc., etc.
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Caro Ricardo, isto não se faz... Mas como diz o ditado, faz aos outros o que não queiras que te façam a ti. Hm, não é bem assim, pois não? Enfim, passo a corrente a:
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1. Freddy, da Zona Franca
2. Armando, da Fábrica
3. Carlos, do Micróbio
5. António A. Antunes, do Saco Cheio Não Dobra
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Pensei em passar a alguns outros bloggers interessantes, mas os seus blogs não dão muito para este tipo de coisa. Mas quem quiser, força!!! Por exemplo, gladiadores, lagoa_azul, meninamarota, workbuy, o raio, cp, i, vasco neves, mixtu, nina, poesia portuguesa, ...

11.2.06

I rest my case

«Seis das doze caricaturas do profeta Maomé foram publicadas no Egipto, em Outubro, sem levantar a menor polémica, afirmou ontem o embaixador dinamarquês no Cairo. A reacção surgiu dois meses depois, quando os líderes muçulmanos reunidos num encontro da Organização da Conferência Islâmica (OCI) coordenaram estratégias e "cristalizaram" a crise, revelou o jornal The New York Times. Só então a revolta começou a sair à rua, com o apoio de vários governos.
[...]
Esta informação ajuda a sustentar a tese de que existe uma forte manipulação política por detrás das manifestações a que se tem vindo a assistir em vários países.
[...]
Para Sari Hanafi, da Universidade Americana de Beirute, os regimes árabes que estavam ressentidos com a pressão ocidental de democratização viram aqui uma oportunidade. As manifestações que se seguiram "desencadearam uma reacção visceral - claro que se sentiram ofendidos - e depois tínhamos regimes a tirar partido, a dizer: "Vejam, é desta democracia que eles falam"", comentou.»

In Público online, hoje.

10.2.06

O grande problema de hoje - parte IV

Nem de propósito, o tipo de reacção que o Ocidente deve adoptar face ao extremismo islâmico tem estado em cima da mesa nos últimos dias.

A questão dos cartoons dinamarqueses liga-se, claro, à do Hamas, porque refere-se à posição dos ocidentais face ao extremismo e ao terrorismo religiosos.

E para mim a posição só pode ser uma: firmeza inteligente. Firmeza nos princípios fundamentais, inteligência na definição táctica.

A firmeza nos princípios fundamentais é imprescindível. Não podemos sacrificar as nossas liberdades à segurança (ou melhor, à ameaça do seu fim às mãos do terrorismo). Não podemos, muito menos, envergonharmo-nos delas. A Dinamarca é dos países mais tolerantes do mundo, que aceita a diferença e respeita a opinião contrária, que protege os desfavorecidos e acolhe os imigrantes, que acredita na liberdade de expressão e rejeita a ingerência do poder político nas esferas que lhe estão proibidas na Lei, que protege o indivíduo face ao abuso dos colectivos e rejeita o totalitarismo, tudo conforme as normas básicas de um Estado de Direito que se orgulha ser. E que todos nos devemos orgulhar de apoiar.

A Dinamarca é a liberdade. Imperfeita, melhorável, mas a liberdade. E a dignidade da pessoa humana.

Ora, o que são os extremistas? Sem rodeios: são o Totalitarismo, a mundividência cuja afirmação exige a negação das demais mundividências, a verdade única de auto-proclamada “vanguarda moral” do povo islâmico.

Naturalmente, o confronto com tal totalitarismo assusta-nos. Já teve etapas sangrentas. Queremos evitá-lo. Esperamos evitá-lo.

O problema é que o confronto interessa aos extremistas. O pior que pode acontecer aos extremistas é a dita normalidade democrática. Eles vivem do ódio e da turbulência, não do respeito democrático nem da tranquilidade. E por isso agitarão as massas sempre que se sentirem ameaçados.

Ora, o AKP rejeitou o extremismo na Turquia depois de ter chegado ao poder, a Fatah rejeitou o extremismo na Palestina depois de ter chegado ao poder, o Hamas começou já a ser pressionado (interna e externamente, como referi na parte III) a seguir idêntico caminho. No Afeganistão e no Iraque houve eleições democráticas. E também no Egipto e na Arábia Saudita (onde não houve invasão americana). No Líbano renasce a esperança.

Estas são boas notícias para nós – mas péssimas para os extremistas. É aqui, portanto, que vamos ser postos à prova. Nisto:

- Mantermo-nos firmes na defesa dos nossos valores de liberdade, democracia e dignidade da pessoa humana;
- Persistir nos esforços de democratização, estabilização e desenvolvimento do Médio Oriente, com a inteligência táctica de aceitar vitórias parciais mas progressivas em direcção ao objectivo final ;
- Pressionar israelitas e palestinianos para um acordo, aplaudindo cada sucesso, tendo cuidado para não vexar nem humilhar, pressionando para o evitamento de conflitos, lembrando a pressão e a esperança dos respectivos povos e do mundo.

No caso concreto dos cartoons, é preciso portanto que:

- Se repudie toda a violência resultante;
- Se rejeite como possível solução a ingerência de um governo na delimitação directa da liberdade de expressão, à margem do estipulado prévia e taxativamente na Lei;
- Se admita que os cartoons são de mau-gosto e susceptíveis de ofender os muçulmanos;
- Se afirme, no entanto, que o reconhecimento da liberdade passa, justamente, por respeitar aquilo com o qual à partida não concordamos.
- Voltando ao início, se insista que estas são as formas de organização das nossas sociedades pelas quais nos regemos e nos continuaremos a reger.

Firmeza nos princípios, inteligência nas tácticas. O nosso Ministro dos Negócios Estrangeiros não percebeu nem uma nem outra. Pior, subverteu-as. No que deveria ser firme, foi abaixo de mole – foi omisso, inexistente. Não ter feito uma única referência à inaceitável violência dos extremistas é imperdoável. No que deveria ser inteligente, jogando com as margens tácticas para cumprir a estratégia principal, foi inepto – enveredou por um suposto apaziguamento que soou inevitavelmente a cedência, sem sequer a mínima contracedência da outra parte. Foi Chamberlain sem sequer a aparência de Munique.

8.2.06

Ups...

Meti-me no Html e fiz asneira... Vamos lá ver se consigo corrigir!

O grande problema de hoje - parte III

Como pode a vitória do Hamas conduzir a uma vitória da Democracia sobre o terrorismo?

Real politik: o exercício do poder obrigará o Hamas a lidar com as pressões internas e externas. O que ocorrerá pela primeira vez (pormenor importante).

As pressões internas serão no sentido do milagre. Os palestinianos querem mais, muito mais, do que aquilo que têm neste momento. Querem paz, desenvolvimento, fim da corrupção. Mas também território, orgulho, dignidade. A Fatah falhou em todos estes campos. É claro que Israel não ajudou propriamente a Autoridade Palestiniana e a Fatah (muro de divisão, atentados a dirigentes radicais - por vezes atingindo inocentes -, constrangimentos económicos, etc), mas colocar-se-á sempre a questão do ovo e da galinha: quem "nasceu" primeiro, os atentados de radicais palestinianos ou os atentados israelitas?

Independentemente disso, a Fatah, aos olhos palestinianos, falhou. A vitória do Hamas, portanto, é uma vitória de uma imensa esperança. Do Hamas, como disse, os palestinianos esperam o milagre. Que, de resto, lhes foi prometido pelo Hamas.

No plano externo, claro está, as pressões serão no sentido da paz. Este objectivo, no entanto, é bastante genérico. Há vários tipos possíveis de paz. O Hamas diz que quer a paz - só que para o Hamas a paz implica o fim de Israel, com a região apenas para os muçulmanos. E Israel também quer a paz, mas mantendo a existência com o máximo possível de território. Em que sentido pode a comunidade internacional pressionar? Pode escolher um modelo de paz e pressionar as partes no sentido da sua aceitação? Ou deve limitar-se a promover negociações e esperar que as partes cheguem a acordo? Porventura começar por este último e, durante o processo, procurar mudar para o primeiro, como tem sido tradição.

A verdade é que estas pressões internas e externas serão uma novidade para o Hamas. E, para mim, vão interligar-se e interdepender-se.

De facto, o sucesso do Hamas em cumprir as esperanças internas depende da relação com Israel e com a comunidade internacional. Por exemplo, nas primeiras declarações do Hamas após a ameaça da UE em pôr fim à ajuda financeira que neste momento presta à Autoridade Palestiniana, os seus dirigentes desdenharam tal ajuda, por ser pouco importante e por poder ser colmatada com ajuda dos países islâmicos. Mas não rejeitaram a ajuda europeia, apenas disseram algo como "se quiserem, retirem-na". E não rejeitaram porque sabem que ela é importante para a economia palestiniana e que dificilmente os países islâmicos poderiam compensar a sua perda. Jogam, portanto, no bluff - mas estarão certamente preocupados devido às tais pressões internas para o desenvolvimento económico.

No fundo, a minha tese é esta: para responder às aspirações internas, o Hamas terá que ser realista no relacionamento com Israel e com o Ocidente. Como o foi a Fatah. Convém não esquecer que a Fatah já foi tão radical e terrorista como o Hamas. Mas, com o decurso das negociações, foi moderando o discurso e a acção (com ambiguidades em ambos, diz Israel).

A esperança é esta: que também o Hamas faça caminho idêntico. Como disse na parte II, o Hamas não é um conjunto de barbudos terroristas ignorantes. São extremistas, mas contam entre si académicos e intelectuais (nota: se a nós isto parece contraditório, lembremo-nos do fascínio que o totalitarismo comunista exerceu sobre tantos intelectuais ocidentais).
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Daí a vitória possível da Democracia sobre o extremismo islâmico: se o Hamas começar a moderar as suas posições, a trabalhar para a paz e o desenvolvimento, a abrir-se para o mundo, continuando a aceitar o jogo democrático na Palestina (o que é recente, visto que inicialmente recusou participar em eleições para uma Autoridade que considera insuficiente), então a Democracia terá vencido esta pequena mas porventura decisiva batalha.

Àqueles que neste momento me consideram lírico ou ingénuo, relembro as declarações de alguns dirigentes do Hamas após as primeiras reacções internacionais. A própria admissão de umas tréguas com Israel é já uma primeira cedência. Ou pelo menos moderação. As tréguas servirão para negociar, pública ou secretamente. O que é um primeiro passo.

A posição dos ocidentais nesta matéria é fundamental. Porque dela poderá resultar o desfecho. A ela me referirei no próximo post.

6.2.06

Bob Marley

A sempre atenta Fábrica lembrou-me que hoje Bob Marley faria 61 anos, se fosse vivo. Em homenagem a ele e no espírito dos últimos posts que aqui escrevi, fiquem com os fantásticos som e vídeo de "One Love".

4.2.06

O grande problema de hoje - intervalo!


Para desanuviar da situação no Médio Oriente (mas bastante a propósito), mais uma citação de Winston Churchill:

Fanático é aquele que não consegue mudar de ideias e que não aceita mudar de assunto.

Mais nada...


Próximos posts: o Hamas e a Democracia; a questão dos cartoons com Maomé e consequente ataque islâmico à liberdade na Dinamarca; a atitude necessária nos países ocidentais.

O grande problema de hoje - parte II

Na parte I procurei falar um pouco dos antecedentes da criação do Estado de Israel. Não vale a pena descrever todo o conflito israelo-árabe a partir daí. Basta referir:
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- Resolução das Nações Unidas de 1947 acaba com o Mandato Britânico e cria dois Estados, um israelita e outro palestiniano, ficando Jerusalém sob administração da ONU.
- Os judeus aceitam a Resolução e proclamam a Independência. Os palestinianos e os países árabes vizinhos recusam. Tropas libanesas, sírias, jordanas, iraquianas e egípcias invadem Israel (Guerra de 1948-49). Israel ganha a guerra e assina um armistício com os vizinhos.
- Novas guerras, ganhas pelos israelitas: Guerra dos Seis Dias (1967) e Guerra do Yom Kippur (1973).
- Acordo de Paz Israel-Egipto (1979), assinado pelo Presidente egípcio Sadat e pelo Primeiro-Ministro israelita Begin, que levou a uma visita oficial de Sadat a Israel. Sadat viria a ser assassinado em 1981, em parte devido à "traição" de estabelecer a paz com o Estado judaico e de o visitar.
- Intifada (1987-91 e 2000-2005): revoltas de rua levadas a cabo pelos palestinianos (cocktails molotov, arremesso de pedras, pneus queimados) como forma de resistência à ocupação israelita.
- Processo de paz - desde 1991, ocorrem periodicamente conversações entre israelitas e palestinianos. O primeiro acordo de relevo foi assinado em 1995 e levou à criação de uma Autoridade Palestiniana na Margem Ocidental e na Faixa de Gaza. De então para cá, o processo de paz tem conhecido avanços e retrocessos, em grande parte devido às desconfianças israelitas face às reais intenções dos palestinianos e ao seu real empenho em terminar com o terrorismo.
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E chegamos ao primeiro ponto onde eu queria chegar: a vitória do Hamas nas últimas eleições palestinianas.
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É para muitos estranho como o Hamas, partido radical e terrorista (ou próximo disso) venceu a Fatah (mais moderada e favorável ao processo de paz). Alguns não acharão estranho mas até natural, dado que se verificou na Palestina.
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No entanto, convém esclarecer que a situação da Autoridade Palestiniana estava longe de ser famosa: corrupção, excesso de recrutamento de pessoal, incapacidade para organizar e dinamizar a economia. Os palestinianos estavam fartos de uma Fatah que se mostrou incapaz de dar a paz ou o progresso. Corrupta e ineficaz. Logo, derrotada.
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Ora convém esclarecer também que o Hamas não é apenas um bando de barbudos terroristas: há no Hamas intelectuais e religiosos com elevado nível de erudição (se me permitem, são semelhantes aos intelectuais europeus de esquerda radical dos anos 60 e 70 - inteligentes mas fundamentalistas).
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Tudo misturado, não espanta que o Hamas tenha vencido.
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E quando tudo parece negro... eu encontro a maior das razões para a esperança. E não de um modo lírico, mas de um modo politicamente realista.
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E a esperança é esta: a vitória do Hamas pode conduzir a uma grande vitória da Democracia sobre o terrorismo (quiçá a primeira grande vitória).
(Continua)

O grande problema de hoje - parte I

Vou escrever aqui um conjunto de textos que fariam mais sentido no outro blog em que escrevo, o Arquipélago dos Gladiadores, mais dedicado às questões políticas. Mas vai ser aqui mesmo, por dois motivos: primeiro, os gladiadores nos próximos tempos vão estar ocupados com o tema da regionalização; segundo, o que vou escrever aqui não é apenas político - é humano, demasiado humano.
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O grande problema a que me refiro é o de Israel. Ou, melhor dito, o da Palestina. Acho que já é altura de escrever umas coisas sobre o assunto, que é um dos mais determinantes para o nosso futuro.
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Sem a resolução deste conflito, que abarca a questão de Jerusalém (cidade santa para ambos os lados do conflito e, ainda, para os cristãos), não poderemos evoluir muito no combate ao terrorismo. O conflito existente e a situação de Jerusalém são duas "fontes" de terroristas. Enquanto não se resolverem, os terroristas continuarão a emergir por todo o mundo islâmico.
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Por vezes há a tentação para descrever um quadro simplista na origem deste conflito: os judeus foram vitimizados na 2ª Guerra Mundial; os europeus e americanos sentiram-se mal com a perseguição que ao longo de séculos lhes moveram e que culminou com o Holocausto; o Ocidente "oferece" aos judeus um território na Palestina no final dessa guerra.
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Ora não foi bem assim.
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Nota Histórica
Já em 1862 Moisés Hess defendeu a ida dos judeus para a Palestina (foi um dos fundadores do socialismo sionista, que viria a inspirar vagamente os kibbutz e que me despetou o interesse por toda esta história). Mas a primeira grande migração de Judeus para a Palestina dá-se em 1882, quando judeus russos perseguidos nos terríveis "pogroms" de 1880-82 emigram para essa região. Foi a 1ª Aliyah ("ascensão", que é como os judeus chamam à migração para Israel).
Em 1883, Nataniel Birnbaum funda a Khadima, uma associação de estudantes judeus de Viena, Áustria. No ano seguinte, 1884, publica “Auto-Emancipação”, outro marco do movimento. É ele um dos grandes divulgadores do sionismo, o movimento que defende a instauração de um Estado judaico na Palestina.
Em 1890, os judeus representam cerca de 5% da população da Palestina (25.000 em 520.000).
O caso Dreyfus, em França, incrementou o movimento e, em 1897, é realizado o primeiro Congresso Sionista em Basileia, na Suíça, organizado por Birnbaum e por Teodoro Herzl.
Daí em diante o Congresso Sionista passou a reunir uma vez por ano. O movimento chegou a ponderar estabelecer-se noutros locais que não a Palestina (por exemplo, um território africano a ceder por alguma potência colonial europeia). No entanto, no 7º Congresso (1905) a maioria pronunciou-se contra essa hipótese, tendo apontado a Palestina como o seu único objectivo daí em diante. Desde 1905...
Em 1917, durante a 1ª GM, o Ministro dos Negócios Estrangeiros britânico (Arthur Balfour) promete aos judeus o estabelecimento na Palestina de um lar nacional (national home), embora respeitando os direitos dos cidadãos não judeus habitantes na região. Os motivos dessa promessa são alvo de especulação: desde procurar apoio nos Estados Unidos para a causa aliada até irritar o Império Otomano (que era aliado dos alemães e ocupava a Palestina), passando pela angariação de apoio entre judeus abastados para o esforço de guerra britânico, várias têm sido as explicações avançadas (provavelmente todas têm algo de verdadeiro). Embora considerada como um primeiro passo, a Declaração Balfour, como ficou conhecida, era prudente: falava em lar nacional (e não em Estado ou país).
Com o fim da 1ª GM e a derrota do Império Otomano, aliado dos alemães, a Palestina fica sob mandato britânico (British Mandate), de acordo com resolução da Liga das Nações.
A imigração judaica para a zona não pára de aumentar. Em 1922 a população judaica já ultrapassa a cristã (muçulmanos: 528.200 – 77%; judeus: 83.800 – 12%; cristãos: 71.500 – 10%). Em 1925 é criada a Universidade Hebraica de Jerusalém. Em 1936 a Comissão Peel (comissão britânica para decidir o que fazer na região) propõe a criação de um Estado judaico e de um Estado árabe, possivelmente adstrito à Jordânia. Judeus e árabes rejeitam o plano. A Comissão Woodhead, nomeada em 1938, propõe um Estado israelita mínimo (uma pequena faixa costeira com menos de 20 km de largura, representando apenas 5% da Palestina), um Estado árabe e o restante território, incluindo Jerusalém, permanecendo sob mandato britânico. Essa proposta é também rejeitada, sobretudo pelos judeus. Em 1936-38 há violentas insurreições muçulmanas contra a imigração judaica. Os britânicos lançam em 1939 um Livro Branco sobre a questão e restringem bastante essa imigração.
Portanto, o problema de Israel não surge apenas no fim da 2ª GM. Na década de 1930 já muitos milhares de judeus se encontravam na Palestina, sendo já cerca de metade da população em 1945. Desde 1905 que a Palestina era o objectivo único dos sionistas e em 1945 estavam muito perto de o conseguir. Ou seja, dificilmente aceitariam outra solução, na Europa ou noutro continente.
Aliás, nessa época não lhes foi “dado” um território, foi reivindicado e conquistado por meios violentos, face aos britânicos e face aos vizinhos árabes. Esse é um erro comum em Portugal, dizer que os ocidentais deram um território aos judeus após a 2ª GM. Na verdade, desde a década de 30 que os judeus pressionavam fortemente os britânicos, num clima de quase-guerra de independência em que se destacava a Haganah - que significa A Defesa -, milícia que procurava defender de (e, dizem alguns, atacar a) britânicos e árabes, o que levou ao tal Livro Branco de 1939. Não quero com isto dizer que concordo nem que não concordo com a criação do Estado de Israel (lá chegarei mais à frente), mas apenas frisar que a sua história não começa em 1945 e que a sua criação não foi uma mera benesse dos países ocidentais. Os judeus estavam preparados para combater pela independência se as Nações Unidas não tivessem aprovado o Plano de Partilha de 1947! E provavelmente teriam ganho essa guerra face aos britânicos, como a ganharam no ano seguinte face aos árabes.
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O que acho da existência do Estado de Israel? Se estivéssemos em 1890, a minha resposta seria fácil: o sionismo não é aceitável. Ocupar progressivamente um território de outrém com o objectivo de o dominar não é aceitável. No entanto, desde os anos 30 que a única solução possível é a da existência de dois Estados. Esperemos que não demore muito porque quanto mais demorar, mais a região e o mundo sofrerão com isso. (Continua)