14.12.10

Carlucci vs. Kissinger

Portugal esteve poucas vezes sob os olhares do mundo. Devemos ter despertado algum interesse na Europa e no Norte de África quando tentávamos empurrar os mouros d'aquém mar para além mar, acrescentámos o olhar dos indianos e dos árabes quando desviámos a rota das especiarias para o Cabo da Boa Esperança e concentrámos a atenção (por uns 3 ou 4 dias) dos impérios de há 100 anos quando assassinámos brutalmente el-Rei e o Príncipe herdeiro.
.
E, claro, tivemos o PREC. O triângulo inamoroso que foi a luta entre comunistas, esquerdistas radicais e democratas pró-ocidentais pelo futuro de Portugal viria a apaixonar e preocupar o mundo político de então.
.
Os Estados Unidos, obviamente, acompanhavam de perto a situação. Tudo o que menos queriam era um regime comunista na Europa Ocidental, que eventualmente contagiasse as tentativas espanhola e grega de transição para a democracia e ameaçasse pressionar as democracias de Itália e França, que tinham fortes partidos comunistas. Os EUA pura e simplesmente não podiam dar-se ao luxo de Portugal ser para a Europa do Sul o que Cuba fora para a América Latina. Este era o grande receio do Secretário de Estado Kissinger.
.
Por isso, quando a revolução portuguesa começou a acelerar, trocaram de Embaixador, indo buscar Frank Carlucci. Carlucci tinha duas vantagens: era um diplomata inteligente, astuto e experiente em revoluções (e, provavelmente, em colaborações estreitas com a CIA); e era amigo pessoal de Donald Rumsfeld (sim, esse mesmo), que na altura era Chefe do Gabinete do Presidente Gerald Ford. Este último pormenor viria a ser crucial.
.
Kissinger tinha uma visão mais distante. Se Portugal era importante, não era propriamente a única coisa na cabeça dele. Guerra fria, Vietname, ameaça nuclear, tudo estava em cima da mesa. Além disso, Kissinger era um académico muito conhecedor da história da diplomacia mundial, que portanto tinha alguma tendência para ver a situação portuguesa à luz da história da expansão comunista recente e das teorias político-diplomáticas que acreditava explicarem a sucessão dos acontecimentos.
.
Carlucci estava no terreno e era um homem "do terreno". Sabia os nomes dos protagonistas, estava bem informado, geria bem as relações com os democratas pró-ocidentais (PS, PSD e CDS, basicamente). Sabia que a situação em Portugal era complexa mas que provavelmente não iria descambar para o comunismo, se as coisas fossem bem geridas.
.
Para Kissinger, isto era insuficiente. Para ele, o Embaixador deveria ser mais duro e conseguir a clara expulsão dos comunistas do poder em Portugal. Não gerir a situação, intervir na situação. Quando isso se revelou impossível, Kissinger adoptou a tese da "vacina". Portugal parecia um caso perdido que ou se encaminhava para o comunismo ou para um regime de ditadura esquerdista utópica, porventura não-alinhada. Portanto deveria ser marginalizado, expulso da Nato, abandonado financeiramente. Ao tornar-se um país pobre, periférico e isolado, Portugal seria a vacina contra o comunismo no resto da Europa do Sul.
.
Carlucci considerava Portugal tudo menos perdido. Colocava os excessos revolucionários em perspectiva e acreditava que a maioria da população estava contra os lunáticos do PREC.
.
Foi-se assim desenvolvendo um confronto entre Carlucci e Kissinger, que é o cerne deste livro de Bernardino Gomes e Tiago Moreira de Sá.
.
Kissinger queria retirar o apoio a Portugal, tirá-lo da NATO, remetê-lo ao isolamento. Carlucci queria que se apoiassem veementemente os esforços democratizadores e enfrentou frontalmente... o seu chefe. Claro que tinha as costas quentes, i.e., o acesso directo a Rumsfeld e, portanto, ao Presidente.
.
E assim o livro leva-nos a uma história de lutas políticas, manobras diplomáticas, chefias contornadas e conversas duras, entre Lisboa e Washington. Está extremamente bem documentado, resultando numa investigação académica exaustiva, de leitura agradável e cativante.
.
A não perder.
.
.

28.11.10

JSD

Estou no Congresso da JSD. Tenho 35 anos e só aqui estou (como Convidado) porque a minha mulher é Delegada ao Congresso. Como ela pensa pela sua cabeça, como as eleições para os órgãos nacionais são daqui a poucas horas, como já todos terão decidido o seu sentido de voto e como não penso que a minha opinião influencie quem quer que seja na JSD, posso escrever aqui o que quiser.
.
Posso por isso dar a minha opinião livre. Ouvi muito neste Congresso e, creio, ouvi os principais oradores. Ouvi intervenções de qualidade e outras nem tanto. Ouvi ambos os candidatos. Com segurança, posso dizer que espero que o Duarte Marques seja eleito Presidente da JSD. Pela sua preparação, capacidade de liderança, empenho e dinamismo, a JSD sairá a ganhar por muitos anos.
.
Boa sorte, Duarte!

29.10.10

Caros Governantes Socialistas:

Não digam que não foram avisados. Não digam que a culpa é da crise financeira mundial. Não digam que a Oposição tem de ser responsável, como se os Governos socialistas o tivessem sido em 12 dos últimos 15 anos.
.
Este alerta foi feito a 16 de Dezembro de 2000, pelo então deputado Rui Rio (que exactamente um ano depois seria eleito Presidente da C. M. Porto, mas na altura nem candidato a candidato era - pelo menos publicamente), no primeiro evento político que organizei. Nesse ano de 2000 a crise ainda não tinha chegado ao bolso dos Portugueses (começaria a fazer-se sentir no ano seguinte), Guterres, Sócrates e Cravinho deliravam com as auto-estradas de portagem virtual (como então se chamava às SCUTs) e parecia que tudo se podia comprar a crédito, do frigorífico às férias, passando pela casa e pelas auto-estradas. Depois... depois logo se veria. E viu-se, e vê-se.
.
Este diagnóstico foi feito há dias e é em tudo semelhante.
.
Não venham agora dizer que o PSD não avisou, que o PS não podia imaginar, que o mundo mudou em três semanas, que os políticos são todos iguais. Não são. E hoje temos de mudar rapidamente de Governo, porque os socialistas claramente não souberam gerir o país nos 12 anos dos últimos 15 em que estiveram à frente do Governo do país.
.
Mudemos!
.

22.10.10

Porque se calam os jornalistas?

Serei o único a achar que os jornalistas não fazem perguntas verdadeiramente difíceis, daquelas de entalar, a Teixeira dos Santos e a Sócrates?

Que alguém os devia obrigar a deixar de pôr as culpas nos mercados, nas agências de rating, no mundo-que-mudou-em-15-dias, na Grécia, na Irlanda, na Espanha, em Wall Street e no diabo a quatro?

Que deviam indignar-se quando os socialistas apelam ao sentido de responsabilidade da Oposição, quando eles são os mais irresponsáveis?

Que deviam perguntar porque falharam o PEC I e o PEC II, sendo nós o único país europeu em dificuldades financeiras a ver crescer a despesa, incluindo a corrente e mesmo não contando com os juros da dívida?

Que deviam perguntar incisivamente porque devemos acreditar que desta vez é que é, que desta vez é que vão controlar as contas públicas?

Serei o único a achar isto?

Ou sentem-se todos intimidados? O caso Manuela Moura Guedes terá sido, afinal, um aviso? "Quem se mete com o PS, leva"? É isso?

25.9.10

The spending brother

Dois irmãos concorriam à liderança do Labour Party.

David Miliband ganhou a maioria dos votos dos militantes e dos deputados, só que os sindicatos preferiram Ed Miliband e isso, no complexo sistema eleitoral do Partido Trabalhista, fez a diferença. Conjugados os três tipos de votos, Ed Miliband ganhou por uma diferença de pouco mais de 1%.

Agora está nas mãos dos sindicatos, que são dos mais retrógrados da Europa. Culpam os «ricos» de tudo e mais alguma coisa. Sonham ainda com a colectivização dos meios de produção. São os velhos defensores do “tax-and-spend”: aumentar os impostos para criar mais um subsídio, mais uma benesse.

Essa tradição “Old Labour” manteve o partido fora do governo durante quase 20 anos e, durante décadas, impediu-o de ganhar duas eleições seguidas (até surgir Tony Blair e o seu “New Labour” centrista e moderado).

São retrógados, estão errados e longe da “Middle England”. Cameron pode dormir descansado.
.

16.9.10

Ao ouvir a notícia que Portugal se endivida ao ritmo de 2,5 milhões de euros por hora...

... lembrei-me deste trecho do 1º discurso político de Sá Carneiro (1969):

"[...] Por muito que se tenha educado no descrédito da política, é-se forçado a reconhecer que, quando se começa a tomar em profundidade consciência da nossa própria existência pessoal e das realidades que nos cercam, somos constantemente conduzidos a ela [à política].

Desde a educação e futuro dos nossos filhos às nossas próprias condições de trabalho e de vida, desde a liberdade de ideias à liberdade física, aquilo que pensamos e queremos coloca-nos directamente ante a política: seja em oposição frontal à seguida por determinado Governo, seja de simples desacordo, seja de apoio franco.

Porque somos homens, seres inteligentes e livres chamados a lutar pela realização desses dons na vida, formamos a nossa opinião e exprimimos as nossas ideias, pelo menos no círculo de pessoas que nos cercam.

Mas se nos limitarmos a isso, se nos demitimos da intervenção activa, não passaremos de desportistas de bancada, ou melhor, de políticos de café.

A intervenção activa é a única possibilidade que temos de tentar passar do isolamento das nossas ideias e das teorias das nossas palavras à realidade da actuação prática, sem a qual as ideias definham e as palavras se tornam ocas.

Trata-se portanto de um direito e de um dever que nos assiste como simples cidadãos, pelo qual não nos devemos cansar de lutar e ao qual não nos podemos esquivar a corresponder.

Podemos sentir ou não vocação para o desempenho de atitudes ou de cargos políticos, podemos aceitar ou não as condições em que estamos, concordar ou não com a forma como a intervenção nos é facultada, mas não temos o direito de nos demitirmos da dimensão política, que, resultante da nossa liberdade e da nossa inteligência, é essencial à condição de homens.
[...]"

Intervenham!
.

7.9.10

O monstro continua imparável

"Enquanto a despesa caiu 14% na Grécia, 2,9% na Irlanda e 2,5% em Espanha, em Portugal subiu 4%. Quando é que se controla o monstro?" (aqui)

Isto é uma vergonha, um escândalo, uma afronta a todos os contribuintes. Pedir para pagar SCUTs, reduzir as deduções de IRS, aumentar o IVA, aumentar os escalões IRS, etc, etc, etc, sem reduzir (meio por cento que seja!!) a despesa pública, é um insulto a todos os Portugueses.

6.9.10

Vital Mentideira

Diz Vital Moreira (aqui) que cobrar portagens nas SCUT é “terminar com uma iniquidade, pondo os beneficiários dessas infra-estrutras a pagar a vantagem privativa que tiram delas, assim dispensando os contribuintes em geral (incluindo os que não as usam) de ter de o fazer com os seus impostos.

Dispensando? Mas os contribuintes em geral vão pagar menos impostos a partir do momento em que os contribuintes que circulam nas SCUT passem a pagar portagens? Vital Moreira está a gozar com a nossa cara?!?!

Isto só seria verdade num de dois cenários: se os impostos para os contribuintes em geral baixassem no mesmo montante das portagens cobradas; ou se o portajar das SCUT se inserisse num esforço sério de equilíbrio das contas públicas, que incluísse nomeadamente uma fortíssima redução da despesa do Estado (veja-se o exemplo britânico aqui).

É inadmissível que o Governo seja absolutamente incapaz de reduzir a despesa (ver aqui ou aqui, por ex.), nomeadamente a despesa que não é de investimento. Só que, como já disse antes, é necessário manter o controlo da sociedade e isso custa dinheiro. Portanto, o contribuinte que pague ainda mais.

Qualquer dia torno-me revolucionário. Revolucionário anti-socialista, claro.
.

22.8.10

Totalitário

Com Sócrates, o poder central tem de dominar o país, o PS tem de dominar o poder central e ele próprio tem de dominar o PS - num crescendo de mediocridade assustador.
Nada importante se passa fora deste esquema e quem tem veleidades é rapidamente atacado. BCP, Público, TVI, Metro do Porto, parques nacionais, etc., etc., etc. Estou convencido que o veto à venda da Vivo teve menos que ver com o interesse nacional e mais com o facto da Telefónica não ter consultado o Governo (que desplante!).
.
Tudo isto mata o resto do país, que se abafa em Lisboa, cidade cada vez com pior qualidade de vida.
.
Tudo isto cria hábitos de ineficiência no sector público.
.
Tudo isto cria hábitos de pedinchismo no sector privado, habituado aos negócios sem risco providenciados pelos amigos no poder. Não me esqueço do Manuel Godinho a dizer numa das escutas: "ó pá, isto [a sua situação financeira] está complicado, não se arranja aí nada para mim?".
.
Tudo isto implica ir distribuindo as migalhas pelas empresas e pelas instituições, para as manter contentes.
.
Portanto, a despesa pública nunca irá descer.

Logo, sobem os impostos ou, o que dá no mesmo, a carga fiscal - mas não tem mal, está tudo controlado. Literalmente.
.
Nota: template temporário para condizer com o post.

As Verdes Colinas de África

Desilusão.

De Hemingway espera-se sempre uma obra-prima e esta não o é. Esclareça-se que não é uma obra de ficção, mas sim uma descrição de uma temporada de caça em África.

Antes desta obra só tinha lido as 3 principais de Hemingway: Um Adeus às Armas, Por Quem os Sinos Dobram e O Velho e o Mar. São três obras fantásticas. Sim, já aí Hemingway era parco nos adjectivos. Sim, já nesses livros não se alonga a descrever emoções, antes as deixa subentendidas nas descrições dos acontecimentos. Sim, já aí gosta de frases curtas. Mas neste livro leva esse esforço de despojamento ao nível do soporífero. Quem já estiver estado numa caçada em África, talvez goste. Quem nunca lá esteve, aborrece-se com cada detalhezinho de cada momento de cada caçada, com pouco mais de humano para nos relacionarmos.

Pelo meio há umas considerações sobre literatura, que se limitam a umas tiradas de linha e meia, tipo twitter.

- "O que pensa de Ringelnatz?"
- "É maravilhoso".
- "Com que então gosta de Ringelnatz. Óptimo. E o que pensa de Heinrich Mann?"
- "Não vale nada".
- "Acha?"
- "O que sei é que não consigo lê-lo".

E pronto, passa para o autor seguinte. Lá há um ou outro sobre o qual se detém mais, mas a maior parte é neste estilo telegráfico. Por vezes é bastante ácido, quer com escritores à época bem vivos, quer com alguns dos seus leitores-admiradores (a começar pelo seu interlocutor, com ares de pretendente parvo a literato), mas sempre no mesmo registo.

É aqui que surge uma tirada de Hemingway que é muito citada, sobre Mark Twain:

- "Toda a moderna literatura americana vem de um livro de Mark Twain chamado Huckleberry Finn. Se o ler, deve parar onde o negro Jim é roubado aos rapazes. Aí é realmente o fim. O resto é uma fraude. Mas é o melhor livro que até à data tivemos. Todos os escritores americanos provêm daqui. Não há nada antes. Não houve nada tão bom depois."

Não é a mais exaustiva nem penetrante análise de Huckleberry Finn, mas é das mais assertivas. Bom soundbyte, bom twit, diríamos hoje. Pouco mais.

Isto vem logo no início e é retomado mais para a frente, sem resultados melhores. Depois, longas descrições de caçadas (tanto que para mim mais valia retirar a cedilha). Recomendo ler na cama, antes de deitar.


Só o último capítulo é que me agradou mais, sem nunca deslumbrar. Tem uma descrição mais viva, mais entusiasmante, talvez por ser o capítulo do triunfo. Deixa mais de lado os meandros da caçada e explora mais a relação com os nativos e os acompanhantes, incluindo a inveja causada pelo amigo que abateu caça maior. Mas, sendo melhor, nunca chega aos calcanhares de Por Quem os Sinos Dobram ou de O Velho e o Mar.

(Nota para mim próprio: ler o Huckleberry Finn :)

Adenda: template temporário em honra do post.

20.8.10

Queiroz

As declarações de Queiroz sobre Amândio de Carvalho, na entrevista ao Expresso, revelam uma grande falta de inteligência, de sentido estratégico e, sobretudo, de sentido táctico. O que não é nada bom num treinador de futebol.

Na minha opinião, das três, uma:
  1. ou confrontava directamente (isto é, em privado) o Vice da Federação;
  2. ou dizia ao Madaíl "ou ele ou eu";
  3. ou calava-se até toda esta estupidez passar (se os resultados começassem a vir e a qualificação começasse a ser uma inevitabilidade, com certeza que ninguém mais falava nestes assuntos).

Eu optava pela primeira e, se necessário, pela segunda. Da terceira hipótese não gosto, mas reconheço nela alguma inteligência e tacticismo eficazes.

Agora, criticar em público é que foi a maior burrice do Queiroz desde a substituição de Hugo Almeida por Danny no Portugal-Espanha.

Nota: template do blog temporariamente alterado para condizer com o tema do post.

17.8.10

INVICTUS

Existe o livro e existe o filme. Não apenas fisicamente, claro, mas enquanto realidades. O livro e o filme são realidades bem diferentes. Um descreve o que se passou, o outro “hollywoodiza” o que se passou. O verbo “hollywoodizar” devia existir nos dicionários há muito tempo e Invictus é um exemplo claro desse imperativo. Não significa isto que o filme, entendido tal qual é, seja um filme menor. Afinal de contas, tem Clint Eastwood como director e Morgan Freeman como actor. Tem é de ser percebido como um produto de Hollywood baseado numa história verídica, não como essa história em si.

Comecemos pelo princípio.

A história que em ambos se conta é a da equipa de râguebi sul-africana (conhecida como os Springboks) que se sagrou campeã do mundo em 1995 e, especialmente, a forma como Nelson Mandela conseguiu reunir o povo sul-africano (todo ele) em torno dessa equipa.

Assim dito, pode não parecer grande proeza. Primeiro, a África do Sul sempre teve tradição nesse desporto (aliás, viria a vencer de novo o título mundial alguns anos depois). Depois, não era propriamente a primeira vez que uma equipa nacional mobilizava as esperanças de todo um povo. Sempre que há um Mundial de futebol, todo o Brasil fica electrizado. Só que há aqui uma enorme diferença. O râguebi era o desporto favorito da minoria branca pró-apartheid. Era mesmo um símbolo dessa minoria e desse regime. A população negra nunca fora adepta do desporto, desconhecia as regras, desprezava a equipa nacional – e regozijava-se sempre que ela perdia, porque era como se o próprio apartheid perdesse. Nos anos 80 houvera uma enorme campanha mundial para bloquear a participação dos Boks em competições internacionais, que teve sucesso – e a maioria negra comemorou intensamente. Em 1995 Mandela era já presidente, mas tinha sido libertado há meros cinco anos. As eleições haviam sido apenas no ano anterior. O país e o presidente procuravam construir a reconciliação, não alienar nenhuma minoria, impedir a natural tendência para o sentimento de vingança da maioria negra em relação à minoria branca, acabar com os discursos pró-violência de extremistas brancos e negros.

Ou seja, o país vivia no fio da navalha, com qualquer episódio aparentemente menor a poder conduzir à guerra civil.

Livro e filme permitem-nos perceber perfeitamente este contexto. Obviamente, o livro dá-nos bastante mais detalhes, fornecendo uma breve história da transição do apartheid para a democracia. O filme, por limitações de tempo, não o pode fazer, mas com duas ou três cenas expressivas (a começar pela impressionante e esclarecedora cena de abertura) situa-nos rápida e eficazmente no contexto. Resumindo, livro e filme deixam claro que os Boks eram um símbolo do apartheid, aproveitado por extremistas brancos para acicatar receios e odiado pela população negra.

E aqui surge Mandela.


No livro acompanhamos a forma como Mandela, ainda na prisão, foi habilmente conhecendo os seus inimigos, conquistando a sua confiança e negociando com eles a sua libertação e a instituição da democracia, ao mesmo tempo que tranquilizava os seus correlegionários do ANC e lhes moderava progressivamente a vontade de vingança. O filme centra-se mais no período pós-eleições, em que Mandela já é presidente e, com a sua extraordinária intuição política, se apercebe rapidamente do potencial do râguebi como factor de união. Se até no râguebi o povo se unisse, então unir-se-ia mais facilmente em tudo o resto.

A partir daí vemos como Mandela o conseguiu. Não o conto, porque seria um crime para quem ainda não leu o livro nem viu o filme. Normalmente não queremos que nos contem o fim. Aqui o fim é conhecido, não convém contar é a história maravilhosa que vem antes, onde vemos o poder de uma liderança inspiradora, pacificadora e mobilizadora ao mesmo tempo. Que homem extraordinário é Mandela e como foi o homem certo no momento certo!

Portanto, deixo o recheio por contar e termino voltando às diferenças entre livro e filme. A hollywoodização da história não prejudicou a mensagem central nem a sua beleza. Continua a ser uma história extraordinária, que merece ser contada, num grande filme que merece ser visto. Um dos melhores filmes do ano, sem margem para dúvidas. Mas certas cenas simplesmente não aconteceram. Na maioria dos casos, percebe-se porque foram alteradas. Por exemplo, é mais expressivo no grande écran e mais condicente com o hollywood heroe ver Mandela fazer um discurso “inspirador” que muda a opinião de uma sala cheia de dirigentes negros do que a forma como isso se passou na realidade: Mandela falou com cada um individualmente, até os convencer. Um belo discurso é mais bonito do que a política de bastidores. Mais bonito e certamente mais nobre, na ética de hollywood. Seja como for, é um exemplo de uma alteração que não muda a substância da história.

Há apenas uma mácula. O filme centra-se numa relação especial entre Mandela e o capitão da equipa, François Pienaar. É uma estratégia bastante hollywoodesca. O mestre e o aluno. O super-herói e o fiel ajudante. O líder que convence o céptico. O homem excepcional que leva o common guy a transcender-se.

É pena. Essa relação especial entre Mandela e o capitão dos Boks existiu, mas o filme acaba por ofuscar injustamente os outros construtores da reconciliação. Na verdade, muitos outros tiveram um papel importantíssimo, desde outros jogadores até ao treinador, passando pelo manager, pelo presidente da federação, por vários dirigentes negros e, até, por extremistas progressivamente convertidos à causa de uma democracia multipartidária e multiétnica na África do Sul.

Fica, como disse, uma excelente história, contada de forma fantástica num excelente filme. Mas se querem saber a história completa, leiam o livro. É ainda melhor.

Nota: alterei temporariamente o template para condizer com este post.

5.8.10

Empire

Vou tentar escrever um pouco sobre os livros que tenho lido. Começo logo pelo último.

Li este livro em poucos dias, durante as férias. Fiquei vidrado e lia em cada segundinho livre. Conta a História do Império Britânico, desde os primórdios da pirataria até à queda estranhamente previsível e inevitável.

É um livro extraordinário, por vários motivos. Destaco três notas.

Primeiro, a escrita.

O autor é um académico reconhecido, com percurso a atravessar universidades de renome. O conteúdo é rigoroso (pelo menos, assim parece a um leigo como eu). No entanto, a escrita não é nada árida mas antes bastante dinâmica, por vezes pontuada com ironia e humor, muitas vezes criando um suspense que nos faz querer ler o que vem mais à frente.

Exemplos? OK, aqui vai um do humor: a certa altura fala de um súbdito de sua majestade que, na Índia, apanhou a sua mulher com outro homem, o que, segundo Ferguson, "o fez perder a sua fé em Deus, já para não falar na mulher". Está bem que é humor britânico suave, mas alguém imagina um Mattoso ou um Hespanha a aplicá-lo num livro de História? (Esclareço apenas que o detalhe é importante, quer porque o senhor veio a ser um dos grandes exploradores de África, quer porque demonstra que nem todos os exploradores iam imbuídos de espírito de crente fervoroso com fins missionários).

Quanto ao suspense, lembrou-me outro estilo de escrita que me era familiar. À medida que ia lendo o livro, reparei que no final de cada capítulo ou secção deixava uma pista que aguçava o apetite para algo que viria mais à frente, como que dizendo: se vais pousar agora o livro, olha que fazes bem em depois voltar a ele, ainda vem aí muita coisa interessante. Esta construção não me era estranha, mas não me lembrei logo de quem se tratava. De repente ocorreu-me: Dan Brown, o do Código Da Vinci! Quando o li, reparei no mesmo truque: no final de cada capítulo, estender uma cenoura para o seguinte. Só nas últimas páginas, nos agradecimentos, percebi que pode ter havido um bom motivo para isso: o autor foi convidado para escrever um documentário em vários episódios para o Channel 4 sobre o Império Britânico e o livro, não sendo o guião do documentário, provavelmente foi beber ao estilo narrativo do género.

Segundo, a visão que nos dá do Império - e como foi diferente do Império Português!

Antes de mais, foi construído e ampliado sobretudo por iniciativa privada. A Índia, jóia da coroa vitoriana, foi conquistada e domada progressivamente por mercenários ao serviço da Companhia das Índias britânica, não ao serviço da coroa. Em África, os diamantes e o ouro levaram o banqueiro Rotschild a "investir" na guerra dos bóeres.

Depois, viveu desde cedo numa tensão entre os colonizadores além-mar, frequentemente impiedosos com os nativos, e os britânicos "em casa", mais inclinados a fazer respeitar os nativos (ainda que geralmente pretendendo civilizá-los à sua maneira). Enquanto uns queriam mão-de-obra submissa, outros queriam estabelecer o "rule of law", o fim da escravatura, a representação política, o chá das cinco, a civilização tal como a viam.

Terceiro, a quase imparcialidade. Ferguson não chega bem a ser imparcial. Percebe-se o entusiasmo e a admiração. Isso não o impede de nos dar "the full picture". Nunca esconde as contradições, os erros, as humilhações infligidas a terceiros, os massacres de nativos, as violações de direitos humanos que hoje consideramos fundamentais.

Mas também não esconde uma certa admiração por essa pequena nação atlântica que acabou por governar um quarto do mundo, com um território onde o sol nunca se punha, e que pelo caminho levou aos 4 cantos do planeta a ideia de democracia parlamentar, de capitalismo liberal (sim, é um ponto positivo, quer queiram quer não), de escolas e universidades de excelência, de administração pública eficaz e incorruptível, de imprensa livre e de justiça estável e confiável. Nem ele, nem eu.

12.4.10

Fraude

Estava a regressar do Congresso do PSD. Liguei a Antena 1 à hora certa. A notícia sobre o Congresso do PSD é apenas a 3ª notícia. Primeiro uma notícia sobre o empréstimo à Grécia. Bem, esta ainda aceito. Mas a segunda notícia é o anúncio pelo PCP que não irá apoiar Alegre nem Nobre, mas apresentar um candidato próprio às próximas presidenciais. Realmente, uma grande novidade!! E em 3º lugar, lá vem o Congresso do PSD...

E como abre a notícia sobre o Congresso? Com o resumo das principais propostas de Passos Coelho? Com algum trecho do excelente discurso de Passos Coelho? Claro que não.

Abre com a resposta do PS ao discurso do novo líder!
A táctica é cada vez mais frequente:
1º) Locutor diz algo do género: "o PS acha que a proposta do PSD é...";
2º) Ouve-se o dirigente do PS a criticar;
3º) Ouve-se a proposta do PSD;
4º) Ouve-se um comentário final do locutor, referindo a proposta en passant e recordando mais uma vez a crítica do PS.

Ou seja, uma notícia sobre uma proposta do PSD começa e acaba com a crítica do PS à proposta!
Não sei se ria, não sei se chore...

16.3.10

Porque voto PPC - A chave é o Futuro

A chave da Política é o futuro.
É o futuro, em dois planos distintos, ambos essenciais e interdependentes:

1º O plano da preparação do futuro
É fundamental em Política saber preparar o futuro. Ganha na política de forma sustentada e duradoura quem sabe interpretar o passado, quem sabe identificar as causas dos problemas, quem sabe reunir as melhores equipas para os enfrentar, quem sabe estudar as melhores soluções. Quem sabe, ponto final.
Para isso é preciso trabalho, rigor, seriedade. Manuela Ferreira Leite pontuou alto nesta exigência. Quantos hoje não dizem (a começar pela própria...) que teve sempre razão ao longo de todo este tempo? Sim, ela diagnosticou bem os problemas, preparou as soluções, teve razão.

2º O plano da condução para o futuro
Não basta ter razão, é preciso convencer constantemente a sociedade a seguir-nos para esse futuro que preparámos e que procuramos implementar. Podemos ter más notícias sobre o futuro, podemos ter um adversário que apresenta miragens, podemos ter tudo contra nós.
A verdade é que um verdadeiro líder só precisa de o ser na adversidade, na dificuldade. Para gerir a facilidade, meio líder basta.
Líder que é líder, é-o cabalmente nos momentos difíceis. Para claudicar nos momentos-chave, qualquer um chega.
Para se ser líder, há que mobilizar a sociedade, demonstrar-lhe (sim, demonstrar-lhe) a mais-valia do nosso projecto, convencer a aderir. Convencer.

Já sei o que dirão alguns: estou a apelar ao populismo, a um discurso fácil que renda votos.

Nada disso. Como disse no início, ambos são essenciais. Nada substitui uma boa preparação, uma boa equipa, um projecto válido. Nada dispensa o rigor, a qualidade e o trabalho árduo.

Mas como disse também no início, são interdependentes. Ter razão sem dela convencer os eleitores, é desperdiçar a razão.

O caminho portanto é este: ter uma excelente preparação para assumir a governação do país e apresentá-la de forma séria - mas também convincente.

Só Pedro Passos Coelho domina ambos os planos.

Dos 3 candidatos, é o melhor preparado (veja-se a parte do debate com Rangel sobre as questões económicas; foi tão evidente a sua superior preparação que foi aí que muitos rangelistas procuraram outra alternativas, que foi aí que se começou a falar da possibilidade de Marcelo Rebelo de Sousa aparecer como salvador do partido em congresso).
Para além do longo passado político, para além da fundação do movimento "Pensar Portugal" há mais de uma década, há um trabalho específico e recente (nos últimos 3 anos) de preparação intensa para assumir o país. Há 3 anos que reúne especialistas, que organiza debates, que sintetiza opiniões, que forma as suas ideias. Deixo para os profundamente ignorantes a crítica de que não tem ideias ou de que "é só imagem".
Igualmente importante, não esconde as medidas difíceis que entende necessárias. Veja-se o seu livro "Mudar", que tantos criticam sem terem lido, ou a posição corajosa sobre a Lei das Finanças Regionais: em ambos os casos podia deixar-se ficar pelas palavras vagas ("libertar o futuro", por exemplo), mas optou pela defesa de medidas concretas, mesmo que difíceis e/ou impopulares. Quem mais o fez?

Dos 3 candidatos, é o que mais convence o país. Já vi várias sondagens que o demonstram, não vi nenhuma em sentido contrário.

Dos 3 candidatos - e isto é que é o fundamental - é o único que vence nos dois planos. Preparar o futuro, conduzir ao futuro.

Dos 3 candidatos, confio que será o vencedor.
.

6.3.10

Intervenção na Assembleia Municipal do Porto

Excerto da Moção apresentada na Assembleia Municipal do Porto sobre a atribuição do Prémio Pessoa 2009 a D. Manuel Clemente, Bispo do Porto:

"Quem partilha dessas preocupações humanistas, partilhando ou não da sua ancoragem transcendental, não pode deixar de reconhecer em D. Manuel Clemente um exemplo inspirador da salvaguarda da dignidade do outro, porque para essa dignidade contribuem sobremaneira o diálogo, a tolerância e o combate à exclusão social."

Ler o resto aqui.

.

4.1.10

Recovered from translation

Tradução do discurso de Ano Novo do Presidente da República:

"E disse também que Portugal gastava em cada ano muito mais do que aquilo que produzia."

Já venho avisando há muito tempo para o problema do défice orçamental, mas este Governo, em particular, parece não ligar nada ao assunto.

"Falo aos Portugueses quando entendo que o interesse do País o justifica e faço-o sempre com um imperativo: nunca vender ilusões nem esconder a realidade do País."

O Governo vende ilusões (a maior central fotovoltaica, a primeira central de energia das ondas do mar, as medidas governamentais que melhor ajudaram a Economia, o país na Europa que primeiro saiu da crise, etc etc etc), eu falo da realidade.

"Em nome da verdade, tenho a obrigação de alertar os Portugueses para a situação difícil em que o País se encontra e para os desafios que colectivamente enfrentamos."

Não julguem que a Manuela Ferreira Leite não tinha razão com esta história da verdade...


E agora let's talk politics:

"Ao longo do último ano, o desemprego subiu acentuadamente, atingindo, no terceiro trimestre, 548 mil pessoas. Quase 20% dos jovens estavam desempregados."

"A dívida do Estado tem vindo a crescer a ritmo acentuado e aproxima-se de um nível perigoso.

O endividamento do País ao estrangeiro tem vindo a aumentar de forma muito rápida, atingindo já níveis preocupantes.

Acresce que o tempo das taxas de juro baixas não demorará muito a chegar ao fim.

Se o desequilíbrio das nossas contas externas continuar ao ritmo dos últimos anos, o nosso futuro, o futuro dos nossos filhos, ficará seriamente hipotecado.

Quando gastamos mais do que produzimos, há sempre um momento em que alguém tem de pagar a factura."


E agora especialmente para si, Sr. Primeiro-Ministro:

"O exemplo deve vir de cima."

Caramba, até a mim me doeu! E foi na mouche, claro.

"O País real, que quer trabalhar, que quer uma vida melhor, espera que os agentes políticos deixem de lado as querelas artificiais, que em nada resolvem os verdadeiros problemas das pessoas.

É tempo de nos concentrarmos naquilo que é essencial, com destaque para o combate ao desemprego.

Não é tempo de inventarmos desculpas para deixarmos de fazer o que deve ser feito.Estamos perante uma das encruzilhadas mais decisivas da nossa história recente. É por isso que, em consciência, não posso ficar calado."

Perceberam ou querem que faça um desenho?

"Em face da gravidade da situação, é preciso fazer escolhas, temos de estabelecer com clareza as nossas prioridades. Os dinheiros públicos não chegam para tudo e não nos podemos dar ao luxo de os desperdiçar."

Esta é para quem acha que basta aumentar a despesa pública para haver crescimento económico ("o Keynes, pá, nunca ouviste falar do Keynes?")

"Recordo o que tenho vindo insistentemente a defender. Nas circunstâncias actuais, considero que o caminho do nosso futuro tem de assentar em duas prioridades fundamentais.

Por um lado, o reforço da competitividade externa das nossas empresas e o aumento da produção de bens e serviços que concorrem com a produção estrangeira."

Chama-se a isto estar a milhas de distância do novo aeroporto, TGV, apostas artificiais em sectores da economia "inovadores" que não têm seguimento no mercado, Magalhães, ...

"Por outro lado, o apoio social aos mais vulneráveis e desprotegidos e às vítimas da crise.

Percebeste como se faz um discurso político de oposição, Manuela?
.