31.5.05

Opinião de Vital Moreira

Artigo de Vital Moreira (selecção minha) no Público de hoje (disponível online só para assinantes):

[...] A verdade é que nenhum dos anteriores tratados instituidores da UE foi tão democraticamente participado na sua elaboração como este, numa "convenção" onde participaram representantes das instituições europeias e nacionais, nomeadamente do Parlamento Europeu e dos parlamentos nacionais, tendo sido expressamente aprovado pelo primeiro, para além de o dever ser pelos segundos; nenhum tratado anterior foi submetido a tão amplo escrutínio e a tão prolongada discussão pública; nenhum avança tão decididamente na democratização das instituições e na transparência da governação europeia (mais poderes para o Parlamento Europeu e para os parlamentos nacionais, iniciativa legislativa popular, reuniões públicas do Conselho de Ministros quando no exercício de poderes legislativos); nenhum foi tão longe na protecção dos direitos dos cidadãos europeus face às instituições europeias (constitucionalização da Carta de Direitos Fundamentais); nenhum assumiu tão decididamente a UE como entidade política autónoma na cena internacional (política externa e política de defesa comum). É tudo isso que se perde sem o tratado constitucional. [...]

Erro 4: o "Não" de protesto

A França está em crise. Crise económica, crise de confiança nos políticos, crise social.

As deslocalizações de empresas sucedem-se. O desemprego assusta (10% do total da população activa, 23% entre os jovens). O governo mostra-se incapaz de parar a tendência. A França já não é decisiva na construção europeia. A "grandeza da França" no mundo é relíquia do passado. A língua francesa perde para a inglesa na "luta" para idioma da globalização. O medo instala-se: medo do famoso canalizador polaco, do imigrante turco, do têxtil chinês, do salário romeno.

Pouco ou nada disto estava em jogo no referendo. Mas o medo triunfa quase sempre sobre a esperança. A vontade de mudança impera sempre quando há crise. Mesmo que não se saiba em que sentido deverá ser essa mudança. Recusa-se a situação e pronto. E a situação é o Governo. E é Bruxelas.

Erro 3: o "Não" da Outra Europa

Muitos defenderam o "Não" em nome de uma Outra Europa. Tratava-se aqui de recusar esta Constituição porque uma Europa diferente seria possível. Claro, cada cabeça sua sentença. A Constituição poderia ser diferente. Mais federalista, menos federalista, mais proteccionista, menos proteccionista, tudo é possível.

A questão é se será fácil chegar a um novo consenso ou, sequer, a uma nova maioria que agrade a gregos e troianos. Obviamente, não será fácil. A questão seguinte que se coloca é se esta Constituição consagra algo de inaceitável ou que represente uma alteração da União Europeia contrária ao que ela tem sido até agora, salvo as devidas adaptações a uma Europa com várias dezenas de países. Não consagra.

O argumento de uma Outra Europa é um argumento demagógico para inviabilizar esta Constituição. Porque se se juntarem todos os partidários do Não, estes nunca chegarão a Europa alguma.

Erro 2: o "Não" da Esquerda

Outros franceses recusaram a Constituição por supostamente não consagrar o modelo social e por supostamente ser demasiado liberal. Esquecem que a Europa é "liberal" (no que eles entendem por liberal) desde o Tratado de Roma e que nunca nenhum tratado versou tanto sobre os Direitos Sociais como este tratado que institui uma Constituição.

Acontece que uma Constituição é um documento onde apenas devem surgir as grandes orientações políticas, necessariamente com algum cariz genérico. Não cabe numa Constituição, europeia ou nacional, questões particulares de política social - até porque a constante mudança da realidade social implica que a mesma seja regulada por lei comum, mais fácil de adaptar às alterações do tempo do que uma Constituição, cuja revisão é sempre mais lenta e sujeita a maiores restrições processuais.

Não se peça à Constituição europeia o que se deve pedir à legislação comum, nacional ou comunitária. A Constituição europeia não pode ser uma Directiva Bolkenstein (nem o seu contrário). A Constituição europeia não pode ser uma Lei de Bases da Segurança Social de cada país. À Constituição europeia o que é da Constituição europeia.

Erro 1: o "Não" dos nacionalistas

Os nacionalistas votaram Não em nome de uma França soberana, que recuperasse o esplendor da França de outrora, hoje supostamente perdida numa Europa em que teme deixar de ter uma palavra decisiva. Numa Europa a 25 ou 30, é impossível cada país, individualmente, ter uma palavra decisiva. Se a França não quer a União Europeia com várias dezenas de países, por achar que sozinha tem mais a ganhar, então que o diga. Mas sairá perdedora, quando os restantes países continuarem a construção europeia.

23.5.05

Constituição Europeia

Para um resumo do Tratado que institui uma Constituição para a Europa (5 páginas), clique aqui.

Para ver "Uma apresentação ao cidadão" do mesmo Tratado (32 páginas), clique aqui.

Para o texto integral (474 páginas - coragem! -, incluindo Protocolos e Anexos), clique aqui.

Para os argumentos do Não (e alguns argumentos do Sim), clique aqui.

Citações

"No Bloco de Esquerda não temos tronos. Se há algo que nos une é o combate às aristocracias. Aqui somos todos plebeus" (Francisco Louçã)

"Todos os animais são iguais, mas há uns mais iguais que outros" (George Orwell, O Triunfo dos Porcos)

"Agora só leio livros de Gestão" (José Sócrates, num encontro com empresários)

"E eu de Filosofia..." (Belmiro de Azevedo, em resposta a José Sócrates)

Coletes

Que nova moda é esta de pôr o colete reflector nas costas do banco do condutor?!?!?!
Enfim, pode ser que ilumine alguns dos nossos condutores... Bem precisam!

19.5.05

Artigo de Marques Mendes no Público de hoje

Selecção minha:

Na moção que levei ao último congresso do PSD, deixei claro que o objectivo fundamental da retoma sustentada do crescimento económico reclamava, desde logo, três prioridades políticas imediatas: modernizar a justiça, reformar o Estado e a sua administração e recuperar as finanças públicas.[...]
Volto a insistir: as reformas prioritárias de que o país precisa, pela sua complexidade, exigem um acordo básico e essencial entre o maior número possível de agentes políticos.[...]
[...] ao rejeitar o entendimento global que o PSD propôs, o Governo do PS revela incerteza, indecisão e insegurança sobre as reformas mais importantes para o país. E quem, em Portugal, receia tais reformas, não deixará de se aproveitar disso.Sabemos que o país se habituou a ver no PS um defensor de pactos e entendimentos transpartidários, mesmo perante circunstâncias e problemas que os não exigiam. Agora que Portugal pede determinação na resolução dos problemas e um entendimento comum para o nosso futuro colectivo, o Governo opta pela rejeição. É o seu caminho. Um caminho assente numa lógica de intervenção solitária. Temo, porém, que, sob pretexto de fazer o seu próprio caminho, o Governo não esteja na realidade a fazer caminho nenhum.[...]

Morte do cão vale 2% na nota - parte II

Recebi vários mails a perguntarem-me se esta história era mmo verdade. Lamento ter de dizer q a minha imaginação não chega a tanto e a história é mmo real. Vi-a no Jornal de Notícias de há alguns dias atrás. Não encontrei a notícia no JN online (talvez por ser muito curta) mas encontrei-a no Diário de Notícias do dia 9 de Maio. Para ver o link, clique aqui.

Já agora, em vez de me enviarem mails, deixem comentários no ppo blog (se não quiserem identificar-se, deixem como anónimo, sempre me divirto a tentar decobrir quem será).

18.5.05

Sabia que...

No Porto havia, até há dois anos atrás, "ilhas" municipais?!

A Câmara Municipal do Porto era proprietária de "ilhas"! Não é fácil explicar o que é uma ilha a quem não seja do Porto... Talvez um conjunto de habitações encurraladas no meio de um quarteirão, com as portas e janelas a darem não para a rua mas para uma espécie de corredor ao ar livre pelo meio do quarteirão (ninguém percebeu, pois não?; alguém me ajuda a definir??!!). É semelhante a alguns "pátios" de Lisboa, mas normalmente pior.

Sem canalização e/ou restantes condições de habitabilidade, é uma vergonha que a Câmara tenha alguma vez construído ou adquirido tais ilhas (a maior parte foi no período de industrialização do Porto, finais séc. XIX e 1ª metade séc. XX).

Foi uma das prioridades da actual Câmara acabar com esta situação escandalosa num país que se quer do 1º mundo. Todos os moradores de ilhas municipais foram já realojados e as ilhas demolidas (para não serem reocupadas ilegalmente).

Dizem que o Porto parou. De facto já não há projectos megalómanos, mas há medidas certas para prioridades certíssimas! E ainda bem!

17.5.05

Morte do cão vale 2% na nota do exame

No exame final do Secundário, os alunos ingleses têm direito a 2% extras na nota final se lhes tiver morrido o cão, o gato ou o peixe no dia da prova. Se for no dia anterior, só vale 1%. Uma alergia vale 2%, uma enxaqueca 1% (como é que provam esta?!?!), uma crise de asma, ter testemunhado um drama (um jogo da nossa I Liga conta?) ou partido uma perna valem 3%. A morte de um familiar equivale a 5% (4% se não for familiar directo).

Se fosse cá, onde médicos e pais não têm problemas em arranjar atestados falsos (o que em Inglaterra é bem mais difícil por serem, sei lá, honestos), não sobrevivia um animal de estimação e os familiares que se pusessem a pau...

12.5.05

Steinbeck e Hemingway

Tenho dois escritores americanos preferidos: John Steinbeck e Ernest Hemingway. Penso que representam duas facetas diferentes da vivência americana no século XX.

O primeiro mais introspectivo, centrado nos conflitos pessoais e sociais, como a pobreza da Depressão em As Vinhas da Ira, a integridade e honestidade em O Inverno do Nosso Descontentamento ou a ganância em A Pérola. É a América excluída do Sonho Americano dos imigrantes que chegam, vêem e vencem.

Hemingway, na maior parte da sua obra, representa a América aventureira, combativa, dos homens e mulheres que construíram uma nação nova e fantástica. Mostra-nos americanos em constante busca de emoções e desafios, mesmo com os perigos e as tristezas que eles possam acarretar: basta ler Por Quem os Sinos Dobram, Um Adeus às Armas ou O Velho e o Mar.

Encontram-se na defesa da liberdade e da democracia, sempre em busca de uma maior dignidade humana. Exemplo disso é o enredo de O Velho e o Mar, que podia ser de qualquer um dos dois - independentemente, claro, dos traços estilísticos que nos dariam obras bem diferentes. O que diriam ambos da América actual, com tantas marcas de intolerância religisoa/moral?

3.5.05

Bloco - de movimento a partido

Há uns tempos previ que o Bloco iria passar por uma prova de fogo. Se começasse a crescer em número de votos, iria enfrentar o desafio de se transformar de pequeno movimento minoritário em partido político tradicional.

Enquanto pequeno movimento, a unidade e coesão é mais fácil. Os objectivos são comuns, a ideologia clara, a coesão forte, as diferenças face aos outros partidos óbvias. Enquanto partido político tradicional, as divergências nos objectivos, nas ideias e nas equipas começam a surgir. E começam a assemelhar-se aos outros partidos.

Como pequeno movimento contra-poder, as ambições individuais andaram escondidas. Agora vão começar a surgir. Quando um grupo de militantes quiser uma coligação com o PS para chegar ao poder numa Câmara Municipal ou no Governo, o circo vai pegar fogo. Será o fim da auto-proclamada superioridade moral do Bloco face aos outros partidos?

Resposta a comentário - Constituição Europeia

O Tratado que institui uma Constituição para a União Europeia é, em si mesmo, relativamente inócuo. Alarga os Direitos Fundamentais já previstos na Convenção Europeia, introduz algumas alterações na configuração estrutural da União, cria o Ministro dos Negócios Estrangeiros europeu mas, no fundamental, não muda por aí além aquilo que é a União hoje em dia.

Para mim, o problema da sua ratificação nos países em que vão ocorrer referendos não é tanto o conteúdo do Tratado mas sobretudo a relação que os cidadãos europeus hoje estabelecem com a União.

Há países em que os seus nacionais vêem a União como algo de positivo, que traz vantagens para a sua nação - e nesses países, em que Portugal se inclui, a ratificação não constituirá problema.

Mas há países em que a União é vista como um conjunto de burocratas e políticos distantes, boa para os países menos ricos pelos fundos que para aí canaliza, mas sem grandes vantagens para os países mais desenvolvidos. Aí a ratificação será um problema. A solução não existe a curto prazo porque depende de uma mudança dessa percepção, criando uma União mais próxima dos cidadãos. Para a França, por exemplo, já é tarde.

Quanto ao nosso referendo, ele acabará por se realizar, em simultâneo com as eleições autárquicas ou depois das eleições presidenciais, não tendo eu grandes dúvidas que o "Sim" vencerá.