Existe o livro e existe o filme. Não apenas fisicamente, claro, mas enquanto realidades. O livro e o filme são realidades bem diferentes. Um descreve o que se passou, o outro “hollywoodiza” o que se passou. O verbo “hollywoodizar” devia existir nos dicionários há muito tempo e Invictus é um exemplo claro desse imperativo. Não significa isto que o filme, entendido tal qual é, seja um filme menor. Afinal de contas, tem Clint Eastwood como director e Morgan Freeman como actor. Tem é de ser percebido como um produto de Hollywood baseado numa história verídica, não como essa história em si.
Comecemos pelo princípio.
A história que em ambos se conta é a da equipa de râguebi sul-africana (conhecida como os Springboks) que se sagrou campeã do mundo em 1995 e, especialmente, a forma como Nelson Mandela conseguiu reunir o povo sul-africano (todo ele) em torno dessa equipa.
Assim dito, pode não parecer grande proeza. Primeiro, a África do Sul sempre teve tradição nesse desporto (aliás, viria a vencer de novo o título mundial alguns anos depois). Depois, não era propriamente a primeira vez que uma equipa nacional mobilizava as esperanças de todo um povo. Sempre que há um Mundial de futebol, todo o Brasil fica electrizado. Só que há aqui uma enorme diferença. O râguebi era o desporto favorito da minoria branca pró-apartheid. Era mesmo um símbolo dessa minoria e desse regime. A população negra nunca fora adepta do desporto, desconhecia as regras, desprezava a equipa nacional – e regozijava-se sempre que ela perdia, porque era como se o próprio apartheid perdesse. Nos anos 80 houvera uma enorme campanha mundial para bloquear a participação dos Boks em competições internacionais, que teve sucesso – e a maioria negra comemorou intensamente. Em 1995 Mandela era já presidente, mas tinha sido libertado há meros cinco anos. As eleições haviam sido apenas no ano anterior. O país e o presidente procuravam construir a reconciliação, não alienar nenhuma minoria, impedir a natural tendência para o sentimento de vingança da maioria negra em relação à minoria branca, acabar com os discursos pró-violência de extremistas brancos e negros.
Ou seja, o país vivia no fio da navalha, com qualquer episódio aparentemente menor a poder conduzir à guerra civil.
Livro e filme permitem-nos perceber perfeitamente este contexto. Obviamente, o livro dá-nos bastante mais detalhes, fornecendo uma breve história da transição do apartheid para a democracia. O filme, por limitações de tempo, não o pode fazer, mas com duas ou três cenas expressivas (a começar pela impressionante e esclarecedora cena de abertura) situa-nos rápida e eficazmente no contexto. Resumindo, livro e filme deixam claro que os Boks eram um símbolo do apartheid, aproveitado por extremistas brancos para acicatar receios e odiado pela população negra.
E aqui surge Mandela.
Comecemos pelo princípio.
A história que em ambos se conta é a da equipa de râguebi sul-africana (conhecida como os Springboks) que se sagrou campeã do mundo em 1995 e, especialmente, a forma como Nelson Mandela conseguiu reunir o povo sul-africano (todo ele) em torno dessa equipa.
Assim dito, pode não parecer grande proeza. Primeiro, a África do Sul sempre teve tradição nesse desporto (aliás, viria a vencer de novo o título mundial alguns anos depois). Depois, não era propriamente a primeira vez que uma equipa nacional mobilizava as esperanças de todo um povo. Sempre que há um Mundial de futebol, todo o Brasil fica electrizado. Só que há aqui uma enorme diferença. O râguebi era o desporto favorito da minoria branca pró-apartheid. Era mesmo um símbolo dessa minoria e desse regime. A população negra nunca fora adepta do desporto, desconhecia as regras, desprezava a equipa nacional – e regozijava-se sempre que ela perdia, porque era como se o próprio apartheid perdesse. Nos anos 80 houvera uma enorme campanha mundial para bloquear a participação dos Boks em competições internacionais, que teve sucesso – e a maioria negra comemorou intensamente. Em 1995 Mandela era já presidente, mas tinha sido libertado há meros cinco anos. As eleições haviam sido apenas no ano anterior. O país e o presidente procuravam construir a reconciliação, não alienar nenhuma minoria, impedir a natural tendência para o sentimento de vingança da maioria negra em relação à minoria branca, acabar com os discursos pró-violência de extremistas brancos e negros.
Ou seja, o país vivia no fio da navalha, com qualquer episódio aparentemente menor a poder conduzir à guerra civil.
Livro e filme permitem-nos perceber perfeitamente este contexto. Obviamente, o livro dá-nos bastante mais detalhes, fornecendo uma breve história da transição do apartheid para a democracia. O filme, por limitações de tempo, não o pode fazer, mas com duas ou três cenas expressivas (a começar pela impressionante e esclarecedora cena de abertura) situa-nos rápida e eficazmente no contexto. Resumindo, livro e filme deixam claro que os Boks eram um símbolo do apartheid, aproveitado por extremistas brancos para acicatar receios e odiado pela população negra.
E aqui surge Mandela.
No livro acompanhamos a forma como Mandela, ainda na prisão, foi habilmente conhecendo os seus inimigos, conquistando a sua confiança e negociando com eles a sua libertação e a instituição da democracia, ao mesmo tempo que tranquilizava os seus correlegionários do ANC e lhes moderava progressivamente a vontade de vingança. O filme centra-se mais no período pós-eleições, em que Mandela já é presidente e, com a sua extraordinária intuição política, se apercebe rapidamente do potencial do râguebi como factor de união. Se até no râguebi o povo se unisse, então unir-se-ia mais facilmente em tudo o resto.
A partir daí vemos como Mandela o conseguiu. Não o conto, porque seria um crime para quem ainda não leu o livro nem viu o filme. Normalmente não queremos que nos contem o fim. Aqui o fim é conhecido, não convém contar é a história maravilhosa que vem antes, onde vemos o poder de uma liderança inspiradora, pacificadora e mobilizadora ao mesmo tempo. Que homem extraordinário é Mandela e como foi o homem certo no momento certo!
Portanto, deixo o recheio por contar e termino voltando às diferenças entre livro e filme. A hollywoodização da história não prejudicou a mensagem central nem a sua beleza. Continua a ser uma história extraordinária, que merece ser contada, num grande filme que merece ser visto. Um dos melhores filmes do ano, sem margem para dúvidas. Mas certas cenas simplesmente não aconteceram. Na maioria dos casos, percebe-se porque foram alteradas. Por exemplo, é mais expressivo no grande écran e mais condicente com o hollywood heroe ver Mandela fazer um discurso “inspirador” que muda a opinião de uma sala cheia de dirigentes negros do que a forma como isso se passou na realidade: Mandela falou com cada um individualmente, até os convencer. Um belo discurso é mais bonito do que a política de bastidores. Mais bonito e certamente mais nobre, na ética de hollywood. Seja como for, é um exemplo de uma alteração que não muda a substância da história.
Há apenas uma mácula. O filme centra-se numa relação especial entre Mandela e o capitão da equipa, François Pienaar. É uma estratégia bastante hollywoodesca. O mestre e o aluno. O super-herói e o fiel ajudante. O líder que convence o céptico. O homem excepcional que leva o common guy a transcender-se.
É pena. Essa relação especial entre Mandela e o capitão dos Boks existiu, mas o filme acaba por ofuscar injustamente os outros construtores da reconciliação. Na verdade, muitos outros tiveram um papel importantíssimo, desde outros jogadores até ao treinador, passando pelo manager, pelo presidente da federação, por vários dirigentes negros e, até, por extremistas progressivamente convertidos à causa de uma democracia multipartidária e multiétnica na África do Sul.
A partir daí vemos como Mandela o conseguiu. Não o conto, porque seria um crime para quem ainda não leu o livro nem viu o filme. Normalmente não queremos que nos contem o fim. Aqui o fim é conhecido, não convém contar é a história maravilhosa que vem antes, onde vemos o poder de uma liderança inspiradora, pacificadora e mobilizadora ao mesmo tempo. Que homem extraordinário é Mandela e como foi o homem certo no momento certo!
Portanto, deixo o recheio por contar e termino voltando às diferenças entre livro e filme. A hollywoodização da história não prejudicou a mensagem central nem a sua beleza. Continua a ser uma história extraordinária, que merece ser contada, num grande filme que merece ser visto. Um dos melhores filmes do ano, sem margem para dúvidas. Mas certas cenas simplesmente não aconteceram. Na maioria dos casos, percebe-se porque foram alteradas. Por exemplo, é mais expressivo no grande écran e mais condicente com o hollywood heroe ver Mandela fazer um discurso “inspirador” que muda a opinião de uma sala cheia de dirigentes negros do que a forma como isso se passou na realidade: Mandela falou com cada um individualmente, até os convencer. Um belo discurso é mais bonito do que a política de bastidores. Mais bonito e certamente mais nobre, na ética de hollywood. Seja como for, é um exemplo de uma alteração que não muda a substância da história.
Há apenas uma mácula. O filme centra-se numa relação especial entre Mandela e o capitão da equipa, François Pienaar. É uma estratégia bastante hollywoodesca. O mestre e o aluno. O super-herói e o fiel ajudante. O líder que convence o céptico. O homem excepcional que leva o common guy a transcender-se.
É pena. Essa relação especial entre Mandela e o capitão dos Boks existiu, mas o filme acaba por ofuscar injustamente os outros construtores da reconciliação. Na verdade, muitos outros tiveram um papel importantíssimo, desde outros jogadores até ao treinador, passando pelo manager, pelo presidente da federação, por vários dirigentes negros e, até, por extremistas progressivamente convertidos à causa de uma democracia multipartidária e multiétnica na África do Sul.
Fica, como disse, uma excelente história, contada de forma fantástica num excelente filme. Mas se querem saber a história completa, leiam o livro. É ainda melhor.
Nota: alterei temporariamente o template para condizer com este post.
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