5.8.10

Empire

Vou tentar escrever um pouco sobre os livros que tenho lido. Começo logo pelo último.

Li este livro em poucos dias, durante as férias. Fiquei vidrado e lia em cada segundinho livre. Conta a História do Império Britânico, desde os primórdios da pirataria até à queda estranhamente previsível e inevitável.

É um livro extraordinário, por vários motivos. Destaco três notas.

Primeiro, a escrita.

O autor é um académico reconhecido, com percurso a atravessar universidades de renome. O conteúdo é rigoroso (pelo menos, assim parece a um leigo como eu). No entanto, a escrita não é nada árida mas antes bastante dinâmica, por vezes pontuada com ironia e humor, muitas vezes criando um suspense que nos faz querer ler o que vem mais à frente.

Exemplos? OK, aqui vai um do humor: a certa altura fala de um súbdito de sua majestade que, na Índia, apanhou a sua mulher com outro homem, o que, segundo Ferguson, "o fez perder a sua fé em Deus, já para não falar na mulher". Está bem que é humor britânico suave, mas alguém imagina um Mattoso ou um Hespanha a aplicá-lo num livro de História? (Esclareço apenas que o detalhe é importante, quer porque o senhor veio a ser um dos grandes exploradores de África, quer porque demonstra que nem todos os exploradores iam imbuídos de espírito de crente fervoroso com fins missionários).

Quanto ao suspense, lembrou-me outro estilo de escrita que me era familiar. À medida que ia lendo o livro, reparei que no final de cada capítulo ou secção deixava uma pista que aguçava o apetite para algo que viria mais à frente, como que dizendo: se vais pousar agora o livro, olha que fazes bem em depois voltar a ele, ainda vem aí muita coisa interessante. Esta construção não me era estranha, mas não me lembrei logo de quem se tratava. De repente ocorreu-me: Dan Brown, o do Código Da Vinci! Quando o li, reparei no mesmo truque: no final de cada capítulo, estender uma cenoura para o seguinte. Só nas últimas páginas, nos agradecimentos, percebi que pode ter havido um bom motivo para isso: o autor foi convidado para escrever um documentário em vários episódios para o Channel 4 sobre o Império Britânico e o livro, não sendo o guião do documentário, provavelmente foi beber ao estilo narrativo do género.

Segundo, a visão que nos dá do Império - e como foi diferente do Império Português!

Antes de mais, foi construído e ampliado sobretudo por iniciativa privada. A Índia, jóia da coroa vitoriana, foi conquistada e domada progressivamente por mercenários ao serviço da Companhia das Índias britânica, não ao serviço da coroa. Em África, os diamantes e o ouro levaram o banqueiro Rotschild a "investir" na guerra dos bóeres.

Depois, viveu desde cedo numa tensão entre os colonizadores além-mar, frequentemente impiedosos com os nativos, e os britânicos "em casa", mais inclinados a fazer respeitar os nativos (ainda que geralmente pretendendo civilizá-los à sua maneira). Enquanto uns queriam mão-de-obra submissa, outros queriam estabelecer o "rule of law", o fim da escravatura, a representação política, o chá das cinco, a civilização tal como a viam.

Terceiro, a quase imparcialidade. Ferguson não chega bem a ser imparcial. Percebe-se o entusiasmo e a admiração. Isso não o impede de nos dar "the full picture". Nunca esconde as contradições, os erros, as humilhações infligidas a terceiros, os massacres de nativos, as violações de direitos humanos que hoje consideramos fundamentais.

Mas também não esconde uma certa admiração por essa pequena nação atlântica que acabou por governar um quarto do mundo, com um território onde o sol nunca se punha, e que pelo caminho levou aos 4 cantos do planeta a ideia de democracia parlamentar, de capitalismo liberal (sim, é um ponto positivo, quer queiram quer não), de escolas e universidades de excelência, de administração pública eficaz e incorruptível, de imprensa livre e de justiça estável e confiável. Nem ele, nem eu.