22.8.10

Totalitário

Com Sócrates, o poder central tem de dominar o país, o PS tem de dominar o poder central e ele próprio tem de dominar o PS - num crescendo de mediocridade assustador.
Nada importante se passa fora deste esquema e quem tem veleidades é rapidamente atacado. BCP, Público, TVI, Metro do Porto, parques nacionais, etc., etc., etc. Estou convencido que o veto à venda da Vivo teve menos que ver com o interesse nacional e mais com o facto da Telefónica não ter consultado o Governo (que desplante!).
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Tudo isto mata o resto do país, que se abafa em Lisboa, cidade cada vez com pior qualidade de vida.
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Tudo isto cria hábitos de ineficiência no sector público.
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Tudo isto cria hábitos de pedinchismo no sector privado, habituado aos negócios sem risco providenciados pelos amigos no poder. Não me esqueço do Manuel Godinho a dizer numa das escutas: "ó pá, isto [a sua situação financeira] está complicado, não se arranja aí nada para mim?".
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Tudo isto implica ir distribuindo as migalhas pelas empresas e pelas instituições, para as manter contentes.
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Portanto, a despesa pública nunca irá descer.

Logo, sobem os impostos ou, o que dá no mesmo, a carga fiscal - mas não tem mal, está tudo controlado. Literalmente.
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Nota: template temporário para condizer com o post.

As Verdes Colinas de África

Desilusão.

De Hemingway espera-se sempre uma obra-prima e esta não o é. Esclareça-se que não é uma obra de ficção, mas sim uma descrição de uma temporada de caça em África.

Antes desta obra só tinha lido as 3 principais de Hemingway: Um Adeus às Armas, Por Quem os Sinos Dobram e O Velho e o Mar. São três obras fantásticas. Sim, já aí Hemingway era parco nos adjectivos. Sim, já nesses livros não se alonga a descrever emoções, antes as deixa subentendidas nas descrições dos acontecimentos. Sim, já aí gosta de frases curtas. Mas neste livro leva esse esforço de despojamento ao nível do soporífero. Quem já estiver estado numa caçada em África, talvez goste. Quem nunca lá esteve, aborrece-se com cada detalhezinho de cada momento de cada caçada, com pouco mais de humano para nos relacionarmos.

Pelo meio há umas considerações sobre literatura, que se limitam a umas tiradas de linha e meia, tipo twitter.

- "O que pensa de Ringelnatz?"
- "É maravilhoso".
- "Com que então gosta de Ringelnatz. Óptimo. E o que pensa de Heinrich Mann?"
- "Não vale nada".
- "Acha?"
- "O que sei é que não consigo lê-lo".

E pronto, passa para o autor seguinte. Lá há um ou outro sobre o qual se detém mais, mas a maior parte é neste estilo telegráfico. Por vezes é bastante ácido, quer com escritores à época bem vivos, quer com alguns dos seus leitores-admiradores (a começar pelo seu interlocutor, com ares de pretendente parvo a literato), mas sempre no mesmo registo.

É aqui que surge uma tirada de Hemingway que é muito citada, sobre Mark Twain:

- "Toda a moderna literatura americana vem de um livro de Mark Twain chamado Huckleberry Finn. Se o ler, deve parar onde o negro Jim é roubado aos rapazes. Aí é realmente o fim. O resto é uma fraude. Mas é o melhor livro que até à data tivemos. Todos os escritores americanos provêm daqui. Não há nada antes. Não houve nada tão bom depois."

Não é a mais exaustiva nem penetrante análise de Huckleberry Finn, mas é das mais assertivas. Bom soundbyte, bom twit, diríamos hoje. Pouco mais.

Isto vem logo no início e é retomado mais para a frente, sem resultados melhores. Depois, longas descrições de caçadas (tanto que para mim mais valia retirar a cedilha). Recomendo ler na cama, antes de deitar.


Só o último capítulo é que me agradou mais, sem nunca deslumbrar. Tem uma descrição mais viva, mais entusiasmante, talvez por ser o capítulo do triunfo. Deixa mais de lado os meandros da caçada e explora mais a relação com os nativos e os acompanhantes, incluindo a inveja causada pelo amigo que abateu caça maior. Mas, sendo melhor, nunca chega aos calcanhares de Por Quem os Sinos Dobram ou de O Velho e o Mar.

(Nota para mim próprio: ler o Huckleberry Finn :)

Adenda: template temporário em honra do post.

20.8.10

Queiroz

As declarações de Queiroz sobre Amândio de Carvalho, na entrevista ao Expresso, revelam uma grande falta de inteligência, de sentido estratégico e, sobretudo, de sentido táctico. O que não é nada bom num treinador de futebol.

Na minha opinião, das três, uma:
  1. ou confrontava directamente (isto é, em privado) o Vice da Federação;
  2. ou dizia ao Madaíl "ou ele ou eu";
  3. ou calava-se até toda esta estupidez passar (se os resultados começassem a vir e a qualificação começasse a ser uma inevitabilidade, com certeza que ninguém mais falava nestes assuntos).

Eu optava pela primeira e, se necessário, pela segunda. Da terceira hipótese não gosto, mas reconheço nela alguma inteligência e tacticismo eficazes.

Agora, criticar em público é que foi a maior burrice do Queiroz desde a substituição de Hugo Almeida por Danny no Portugal-Espanha.

Nota: template do blog temporariamente alterado para condizer com o tema do post.

17.8.10

INVICTUS

Existe o livro e existe o filme. Não apenas fisicamente, claro, mas enquanto realidades. O livro e o filme são realidades bem diferentes. Um descreve o que se passou, o outro “hollywoodiza” o que se passou. O verbo “hollywoodizar” devia existir nos dicionários há muito tempo e Invictus é um exemplo claro desse imperativo. Não significa isto que o filme, entendido tal qual é, seja um filme menor. Afinal de contas, tem Clint Eastwood como director e Morgan Freeman como actor. Tem é de ser percebido como um produto de Hollywood baseado numa história verídica, não como essa história em si.

Comecemos pelo princípio.

A história que em ambos se conta é a da equipa de râguebi sul-africana (conhecida como os Springboks) que se sagrou campeã do mundo em 1995 e, especialmente, a forma como Nelson Mandela conseguiu reunir o povo sul-africano (todo ele) em torno dessa equipa.

Assim dito, pode não parecer grande proeza. Primeiro, a África do Sul sempre teve tradição nesse desporto (aliás, viria a vencer de novo o título mundial alguns anos depois). Depois, não era propriamente a primeira vez que uma equipa nacional mobilizava as esperanças de todo um povo. Sempre que há um Mundial de futebol, todo o Brasil fica electrizado. Só que há aqui uma enorme diferença. O râguebi era o desporto favorito da minoria branca pró-apartheid. Era mesmo um símbolo dessa minoria e desse regime. A população negra nunca fora adepta do desporto, desconhecia as regras, desprezava a equipa nacional – e regozijava-se sempre que ela perdia, porque era como se o próprio apartheid perdesse. Nos anos 80 houvera uma enorme campanha mundial para bloquear a participação dos Boks em competições internacionais, que teve sucesso – e a maioria negra comemorou intensamente. Em 1995 Mandela era já presidente, mas tinha sido libertado há meros cinco anos. As eleições haviam sido apenas no ano anterior. O país e o presidente procuravam construir a reconciliação, não alienar nenhuma minoria, impedir a natural tendência para o sentimento de vingança da maioria negra em relação à minoria branca, acabar com os discursos pró-violência de extremistas brancos e negros.

Ou seja, o país vivia no fio da navalha, com qualquer episódio aparentemente menor a poder conduzir à guerra civil.

Livro e filme permitem-nos perceber perfeitamente este contexto. Obviamente, o livro dá-nos bastante mais detalhes, fornecendo uma breve história da transição do apartheid para a democracia. O filme, por limitações de tempo, não o pode fazer, mas com duas ou três cenas expressivas (a começar pela impressionante e esclarecedora cena de abertura) situa-nos rápida e eficazmente no contexto. Resumindo, livro e filme deixam claro que os Boks eram um símbolo do apartheid, aproveitado por extremistas brancos para acicatar receios e odiado pela população negra.

E aqui surge Mandela.


No livro acompanhamos a forma como Mandela, ainda na prisão, foi habilmente conhecendo os seus inimigos, conquistando a sua confiança e negociando com eles a sua libertação e a instituição da democracia, ao mesmo tempo que tranquilizava os seus correlegionários do ANC e lhes moderava progressivamente a vontade de vingança. O filme centra-se mais no período pós-eleições, em que Mandela já é presidente e, com a sua extraordinária intuição política, se apercebe rapidamente do potencial do râguebi como factor de união. Se até no râguebi o povo se unisse, então unir-se-ia mais facilmente em tudo o resto.

A partir daí vemos como Mandela o conseguiu. Não o conto, porque seria um crime para quem ainda não leu o livro nem viu o filme. Normalmente não queremos que nos contem o fim. Aqui o fim é conhecido, não convém contar é a história maravilhosa que vem antes, onde vemos o poder de uma liderança inspiradora, pacificadora e mobilizadora ao mesmo tempo. Que homem extraordinário é Mandela e como foi o homem certo no momento certo!

Portanto, deixo o recheio por contar e termino voltando às diferenças entre livro e filme. A hollywoodização da história não prejudicou a mensagem central nem a sua beleza. Continua a ser uma história extraordinária, que merece ser contada, num grande filme que merece ser visto. Um dos melhores filmes do ano, sem margem para dúvidas. Mas certas cenas simplesmente não aconteceram. Na maioria dos casos, percebe-se porque foram alteradas. Por exemplo, é mais expressivo no grande écran e mais condicente com o hollywood heroe ver Mandela fazer um discurso “inspirador” que muda a opinião de uma sala cheia de dirigentes negros do que a forma como isso se passou na realidade: Mandela falou com cada um individualmente, até os convencer. Um belo discurso é mais bonito do que a política de bastidores. Mais bonito e certamente mais nobre, na ética de hollywood. Seja como for, é um exemplo de uma alteração que não muda a substância da história.

Há apenas uma mácula. O filme centra-se numa relação especial entre Mandela e o capitão da equipa, François Pienaar. É uma estratégia bastante hollywoodesca. O mestre e o aluno. O super-herói e o fiel ajudante. O líder que convence o céptico. O homem excepcional que leva o common guy a transcender-se.

É pena. Essa relação especial entre Mandela e o capitão dos Boks existiu, mas o filme acaba por ofuscar injustamente os outros construtores da reconciliação. Na verdade, muitos outros tiveram um papel importantíssimo, desde outros jogadores até ao treinador, passando pelo manager, pelo presidente da federação, por vários dirigentes negros e, até, por extremistas progressivamente convertidos à causa de uma democracia multipartidária e multiétnica na África do Sul.

Fica, como disse, uma excelente história, contada de forma fantástica num excelente filme. Mas se querem saber a história completa, leiam o livro. É ainda melhor.

Nota: alterei temporariamente o template para condizer com este post.

5.8.10

Empire

Vou tentar escrever um pouco sobre os livros que tenho lido. Começo logo pelo último.

Li este livro em poucos dias, durante as férias. Fiquei vidrado e lia em cada segundinho livre. Conta a História do Império Britânico, desde os primórdios da pirataria até à queda estranhamente previsível e inevitável.

É um livro extraordinário, por vários motivos. Destaco três notas.

Primeiro, a escrita.

O autor é um académico reconhecido, com percurso a atravessar universidades de renome. O conteúdo é rigoroso (pelo menos, assim parece a um leigo como eu). No entanto, a escrita não é nada árida mas antes bastante dinâmica, por vezes pontuada com ironia e humor, muitas vezes criando um suspense que nos faz querer ler o que vem mais à frente.

Exemplos? OK, aqui vai um do humor: a certa altura fala de um súbdito de sua majestade que, na Índia, apanhou a sua mulher com outro homem, o que, segundo Ferguson, "o fez perder a sua fé em Deus, já para não falar na mulher". Está bem que é humor britânico suave, mas alguém imagina um Mattoso ou um Hespanha a aplicá-lo num livro de História? (Esclareço apenas que o detalhe é importante, quer porque o senhor veio a ser um dos grandes exploradores de África, quer porque demonstra que nem todos os exploradores iam imbuídos de espírito de crente fervoroso com fins missionários).

Quanto ao suspense, lembrou-me outro estilo de escrita que me era familiar. À medida que ia lendo o livro, reparei que no final de cada capítulo ou secção deixava uma pista que aguçava o apetite para algo que viria mais à frente, como que dizendo: se vais pousar agora o livro, olha que fazes bem em depois voltar a ele, ainda vem aí muita coisa interessante. Esta construção não me era estranha, mas não me lembrei logo de quem se tratava. De repente ocorreu-me: Dan Brown, o do Código Da Vinci! Quando o li, reparei no mesmo truque: no final de cada capítulo, estender uma cenoura para o seguinte. Só nas últimas páginas, nos agradecimentos, percebi que pode ter havido um bom motivo para isso: o autor foi convidado para escrever um documentário em vários episódios para o Channel 4 sobre o Império Britânico e o livro, não sendo o guião do documentário, provavelmente foi beber ao estilo narrativo do género.

Segundo, a visão que nos dá do Império - e como foi diferente do Império Português!

Antes de mais, foi construído e ampliado sobretudo por iniciativa privada. A Índia, jóia da coroa vitoriana, foi conquistada e domada progressivamente por mercenários ao serviço da Companhia das Índias britânica, não ao serviço da coroa. Em África, os diamantes e o ouro levaram o banqueiro Rotschild a "investir" na guerra dos bóeres.

Depois, viveu desde cedo numa tensão entre os colonizadores além-mar, frequentemente impiedosos com os nativos, e os britânicos "em casa", mais inclinados a fazer respeitar os nativos (ainda que geralmente pretendendo civilizá-los à sua maneira). Enquanto uns queriam mão-de-obra submissa, outros queriam estabelecer o "rule of law", o fim da escravatura, a representação política, o chá das cinco, a civilização tal como a viam.

Terceiro, a quase imparcialidade. Ferguson não chega bem a ser imparcial. Percebe-se o entusiasmo e a admiração. Isso não o impede de nos dar "the full picture". Nunca esconde as contradições, os erros, as humilhações infligidas a terceiros, os massacres de nativos, as violações de direitos humanos que hoje consideramos fundamentais.

Mas também não esconde uma certa admiração por essa pequena nação atlântica que acabou por governar um quarto do mundo, com um território onde o sol nunca se punha, e que pelo caminho levou aos 4 cantos do planeta a ideia de democracia parlamentar, de capitalismo liberal (sim, é um ponto positivo, quer queiram quer não), de escolas e universidades de excelência, de administração pública eficaz e incorruptível, de imprensa livre e de justiça estável e confiável. Nem ele, nem eu.