"A primeira designação que se deu aos célebres "direitos adquiridos" foi a de "conquistas da Revolução". Em seu nome, o PCP, a CGTP e a extrema-esquerda batalharam durante anos para que na Constituição e nas leis se mantivesse inalterável o processo de ruína económica do país iniciado em 11 de Março de 1975, com as expropriações e nacionalizações de tudo o que era actividade económica privada[...]. Limpa a Constituição de alguma da sua baba ideológica, retomado algum bom senso na gestão económica do país, as "conquistas da Revolução" recolheram ao museu leninista de onde tinham sido episodicamente ressuscitadas e foram substituídas, no léxico reivindicativo corrente, pelos "direitos adquiridos". Por "adquirido" entende-se, basicamente, tudo aquilo que foi sacado ao Estado: regalias, estatutos, dinheiro, licenças, subsídios, autorizações. Não abrange apenas situações dos trabalhadores ou pensionistas públicos, mas de toda a gente que, num momento ou noutro, teve a oportunidade de pedir e obter qualquer coisa do Estado. [...] Uma vez estabelecido o "adquirido", ele passa a ter a qualificação de "direito". [...]
Pode um desses "direitos adquiridos" não ter a mais pequena justificação social ou política, pode resultar de simples favor ou privilégio estabelecido momentaneamente ou à socapa. Não interessa: uma vez concedido, para sempre garantido. [...]
As centrais sindicais - a CGTP por convicção e estratégia, a UGT pelo eterno medo de ficar atrás - andam entusiasmadas com tanta contestação. Vão ensaiando greves e manifestações, até ao ensaio geral da greve da função pública, para daí passarem a essa coisa sagrada e mítica que é a greve geral nacional. Eu, no lugar dos seus dirigentes, teria mais cautelas: como revelou a sondagem do PÚBLICO, segunda-feira passada, está já estabelecida uma clivagem clara, a nível de opinião, entre os funcionários públicos e os restantes trabalhadores. E estes, que estão expostos aos despedimentos e encerramento de empresas, a salários que não são aumentados ano após ano, a horários semanais de 45 ou 50 horas, que não têm direito a baixas prolongadas e constantes, nem a férias de seis ou oito semanas anuais, nem a licenças sem vencimento quando querem, nem a reformas antecipadas, começam a questionar-se sobre os privilégios de que uns gozam e outros não. Daí até perceberem que quem paga esses privilégios, além do mais, são eles, vai um pequeno e perigosíssimo passo."
Miguel Sousa Tavares, in Público de hoje (disponível online só para assinantes); selecção e negrito meus.
4 comentários:
MST irrita-me há muito tempo. Não conheço mais ninguém em Portugal que escreva com tanta clareza e pertinência, semana após semana. Irra, é sobre-humano. É uma pena não poder mostrar todo o texto. Arrasa sindicatos e funcionários públicos, na medida em que desejam manter os direitos adquiridos - que mais não são do que privilégios adquiridos. Eu não estou para pagá-los!
Caro Fernando:
Os "direitos adquiridos" que tantos falam e poucos apoiam foram aceites por todo o espectro político em 1975. Agora lembraram-se que os "direitos" são privilégios?
Caro work buy, cá vão alguns excertos mais da crónica de MST:
«- Os administradores da Caixa Geral de Depósitos, do Banco de Portugal e de outras empresas públicas têm o privilégio de estabelecerem o seu próprio e luxuoso regime de reformas e pensões[...].
- Um polícia, ouvido durante uma manifestação, explicava que estava ali a protestar porque tinha 16 anos de serviço e 41 de idade e, quando estava a contar com a reforma por inteiro aos 51 anos de idade, agora ameaçavam-no de ter de trabalhar até aos 61!
- Um dirigente sindical dos praças da Armada, encabeçando uma manifestação, dizia às televisões que, entre outras coisas, estavam a protestar porque se lhes pretendia suprimir o "suplemento de embarque" (e eu fiquei a pensar se o "suplemento de embarque" seria exactamente o que o nome indica e se será possível que na Marinha de Guerra se receba um subsídio por entrar a bordo, que é exactamente aquilo para que eles se alistaram).
- Os autarcas estão furiosos porque o Governo se propõe pôr um limite à batota resultante da acumulação de vencimentos entre o cargo autárquico e a administração das empresas municipais, que, como cogumelos, eles próprios criam, na maioria dos casos exactamente para esse fim.
- Dez mil professores do ensino básico e secundário são pagos pelo Estado sem dar qualquer aula: ou porque são delegados sindicais (1276!), ou porque estão destacados no Ministério da Educação ou noutros serviços, ou porque não têm horário distribuído, ou porque estão de baixa permanente, ou porque estão no último ano antes da reforma e ficam dispensados de dar aulas (ou seja, reformam-se, de facto, um ano mais cedo).
- Do Algarve, recebi uma carta dos professores de uma escola do ensino básico, muito indignados por eu não entender que se possam reformar ao fim de trinta anos de trabalho (de facto, 29). [...] E indignam-se, sobretudo, por haver quem não compreenda: "A recompensa que muito justamente nós merecemos ao fim de uma vida [?!] de muitos sacrifícios, muito desgaste psicológico e muita entrega", que nada tem a ver com "o conforto de um escritório, com ar condicionado no Verão e aquecimento no Inverno, no meio de papéis, requerimentos, petições, etc.".
- Enfim, mais modestos, os enfermeiros fizeram greve esta semana pelo direito de poderem continuar a reformar-se aos 57 aos de idade e 35 de serviço, devido ao "grande desgaste físico e psíquico" da sua profissão.»
Caro work buy, são estes e outros "direitos" que considero privilégios, como considero ridículo a opinião que lhes está subjacente: a função pública é mais desgastante que a privada. Por exemplo, admito que algumas profissões impliquem um grande desgaste, mas penso que para ultrapassar isso deveremos flexibilizar o trabalho na função pública e não antecipar as reformas. Ainda como exemplo, admito que 25 ou 30 anos a policiar ruas deva ser desgastante, mas porque não reciclar periodicamente os agentes da PSP para outras funções? Cada vez é mais raro para quem faz carreira no sector privado trabalhar sempre no mesmo sector. Porque não fazê-lo também na função pública?
O que alguns chamam vida de trabalho eu chamo "carreira". Trinta e seis anos de trabalho parece-me uma carreira...
Funcionarismo não é só administração pública, please...
Polícias - depois dos 45 atrás de secretárias? A fazer???
Enfermeiros - alguém sabe o esforço físico realizado? Ah! Pois o ADSE paga as hérnias e afins. Ficará mais barato?
Professores - ficará mais barato ter milhares de professores no desemprego do que reformar uns e dar lugares a outros?
Políticos e "politizados" - reformas milionárias depois de carreiras (!) de 4 anos?
Como reciclar médicos e enfermeiros por exemplo? Agradecia resposta, acreidito que iluminada
No relativo aos impostos ninguém neste país pode falar mais de pagar impostos do que os funcionários públicos...
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