21.6.05

O meu pai, o meu avô e o Médio Oriente livre

O meu pai estudou em Inglaterra, nos anos 60, tendo ficado convencido que a Democracia era o melhor sistema político. O meu avô paterno dizia que a Democracia era um sistema muito bonito mas que nunca teria condições para vingar em Portugal, por causa do atraso cultural, por causa do baixo nível de educação, por causa da postura típica dos políticos. Tinha assistido à Primeira República e à ingovernabilidade desse regime. Era-lhe difícil acreditar que Portugal pudesse algum dia ser uma Democracia estável.

E no entanto, Portugal é hoje uma Democracia. Imperfeita, melhorável, mas uma Democracia. E, salvo alguns idiotas, ninguém quer um regime ditatorial.


Serve isto para lembrar que há muita gente que duvida que o mundo islâmico possa algum dia ser democrático. Porque há a tradição do chefe tribal, porque a cultura política está pouco desenvolvida, porque a religião é maniqueísta e ajuda ao poder absoluto supostamente fundado na legitimidade divina.

Eu discordo. Penso que o sentimento de Liberdade, quando experimentado, se radica muito fundo no íntimo dos Homens. E gera habituação. Foi o que sucedeu no Japão depois da 2ª Guerra Mundial, nos países do Sul da Europa nos anos 70, no Leste europeu nos anos 80/90. Com avanços e retrocessos, o mundo nunca viu tantos países democráticos como hoje.

Os Estados Unidos têm feito uma enorme pressão no Médio Oriente no sentido da democratização. E têm conseguido alguns resultados. Houve eleições mais ou menos livres na Palestina, no Afeganistão, no Iraque, na Árabia Saudita, no Líbano.

Claro que vão haver retrocessos. Claro que ainda falta fazer muito (na Arábia Saudita as eleições foram só municipais e, mesmo assim, só foram eleitos metade dos autarcas, sendo a outra metade nomeada pelo Governo). O Ocidente tem de continuar a pressionar.

Por isso, foi de uma enorme importância o discurso de Condoleeza Rice no Egipto, que passou quase despercebido em Portugal. Exortou as autoridades do Egipto a empreenderem reformas democráticas e apelou a que as eleições presidenciais agendadas para Setembro, as primeiras na História do Egipto com vários candidatos, sejam verdadeiramente livres.

"Aspiramos a que o povo egípcio desempenhe uma função primordial ao dirigir as reformas nesta região", disse Rice. Isto é, reafirmou o papel do povo (e não apenas dos governantes) no processo democrático e subtilmente relembrou que as reformas democráticas num país tantas vezes facilitam as reformas democráticas em toda a região do globo em que tal país se insere.

A seguir afirmou que os iranianos também querem e merecem a Liberdade. E advertiu a Síria sobre a necessidade de "tomar a sério" as "mudanças" e as "reformas democráticas" no Médio Oriente.

A Esquerda portuguesa (sobretudo o Bloco) previu um desastre nos processos eleitorais afegão e iraquiano, acusando os EUA de quererem democratizar à força, o que, inevitavelmente, resultaria num falhanço. A verdade é que vimos esses processos serem bem sucedidos e vemos que a pressão diplomática (e económica) sobre os países islâmicos no sentido da democratização tem tido os seus efeitos.

Repito que há ainda um longo e difícil caminho a percorrer até chegar ao Médio Oriente democrático.

Mas, como disse Gandhi no auge da luta pela independência da Índia, "quando desespero, recordo a mim próprio que, ao longo da História, a Liberdade acabou sempre por triunfar."

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