Portugal esteve poucas vezes sob os olhares do mundo. Devemos ter despertado algum interesse na Europa e no Norte de África quando tentávamos empurrar os mouros d'aquém mar para além mar, acrescentámos o olhar dos indianos e dos árabes quando desviámos a rota das especiarias para o Cabo da Boa Esperança e concentrámos a atenção (por uns 3 ou 4 dias) dos impérios de há 100 anos quando assassinámos brutalmente el-Rei e o Príncipe herdeiro.
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E, claro, tivemos o PREC. O triângulo inamoroso que foi a luta entre comunistas, esquerdistas radicais e democratas pró-ocidentais pelo futuro de Portugal viria a apaixonar e preocupar o mundo político de então.
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Os Estados Unidos, obviamente, acompanhavam de perto a situação. Tudo o que menos queriam era um regime comunista na Europa Ocidental, que eventualmente contagiasse as tentativas espanhola e grega de transição para a democracia e ameaçasse pressionar as democracias de Itália e França, que tinham fortes partidos comunistas. Os EUA pura e simplesmente não podiam dar-se ao luxo de Portugal ser para a Europa do Sul o que Cuba fora para a América Latina. Este era o grande receio do Secretário de Estado Kissinger.
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Por isso, quando a revolução portuguesa começou a acelerar, trocaram de Embaixador, indo buscar Frank Carlucci. Carlucci tinha duas vantagens: era um diplomata inteligente, astuto e experiente em revoluções (e, provavelmente, em colaborações estreitas com a CIA); e era amigo pessoal de Donald Rumsfeld (sim, esse mesmo), que na altura era Chefe do Gabinete do Presidente Gerald Ford. Este último pormenor viria a ser crucial.
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Kissinger tinha uma visão mais distante. Se Portugal era importante, não era propriamente a única coisa na cabeça dele. Guerra fria, Vietname, ameaça nuclear, tudo estava em cima da mesa. Além disso, Kissinger era um académico muito conhecedor da história da diplomacia mundial, que portanto tinha alguma tendência para ver a situação portuguesa à luz da história da expansão comunista recente e das teorias político-diplomáticas que acreditava explicarem a sucessão dos acontecimentos.
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Carlucci estava no terreno e era um homem "do terreno". Sabia os nomes dos protagonistas, estava bem informado, geria bem as relações com os democratas pró-ocidentais (PS, PSD e CDS, basicamente). Sabia que a situação em Portugal era complexa mas que provavelmente não iria descambar para o comunismo, se as coisas fossem bem geridas.
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Para Kissinger, isto era insuficiente. Para ele, o Embaixador deveria ser mais duro e conseguir a clara expulsão dos comunistas do poder em Portugal. Não gerir a situação, intervir na situação. Quando isso se revelou impossível, Kissinger adoptou a tese da "vacina". Portugal parecia um caso perdido que ou se encaminhava para o comunismo ou para um regime de ditadura esquerdista utópica, porventura não-alinhada. Portanto deveria ser marginalizado, expulso da Nato, abandonado financeiramente. Ao tornar-se um país pobre, periférico e isolado, Portugal seria a vacina contra o comunismo no resto da Europa do Sul.
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Carlucci considerava Portugal tudo menos perdido. Colocava os excessos revolucionários em perspectiva e acreditava que a maioria da população estava contra os lunáticos do PREC.
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Foi-se assim desenvolvendo um confronto entre Carlucci e Kissinger, que é o cerne deste livro de Bernardino Gomes e Tiago Moreira de Sá.
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Kissinger queria retirar o apoio a Portugal, tirá-lo da NATO, remetê-lo ao isolamento. Carlucci queria que se apoiassem veementemente os esforços democratizadores e enfrentou frontalmente... o seu chefe. Claro que tinha as costas quentes, i.e., o acesso directo a Rumsfeld e, portanto, ao Presidente.
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E assim o livro leva-nos a uma história de lutas políticas, manobras diplomáticas, chefias contornadas e conversas duras, entre Lisboa e Washington. Está extremamente bem documentado, resultando numa investigação académica exaustiva, de leitura agradável e cativante.
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A não perder.
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