27.11.12

Veríssimo

Na revista da TAP, “Up”, uma interessante entrevista a duas vozes: Luís Fernando Veríssimo e Miguel Sousa Tavares.

Luís Fernando Veríssimo é filho do escritor Érico Veríssimo e, de mérito próprio, um cronista pleno de êxito. Conheci o seu trabalho porque há uns anos o Expresso publicava crónicas suas todos os Sábados.
Eram crónicas de pequenas histórias, apontamentos, impressões, retratos do quotidiano apanhados na rede da perspicácia do autor. Nada tinham de pretensiosismo – mas eram brilhantes. Nada tinham de vã exibição de construção literária – mas eram muitíssimo bem escritas. Nada tinham de arrogância – mas exibiam uma ironia cirúrgica, que revelava o interior humano das histórias para logo o cobrir de um humor único, que o matizava. Uma maravilha.

Há uns tempos, no entanto, vi-o num programa de televisão, de visita a Portugal. E descobri um escritor tímido, acanhado mesmo. O meu espanto foi total. Onde estavam as tiradas desarmantes? Onde estavam as observações inteligentes? Onde estava a ironia mortífera? Onde estava o humor certeiro e divertidíssimo?

A resposta era só uma: estava tudo escondido. Lá, seguramente, mas escondido.

Este é o drama do tímido inteligente: em privado, com tempo e recato, a sua genialidade derrota inapelavelmente a timidez. Mas em público, sob a pressão da interacção social e da ditadura do imediato, a sua timidez oprime a genialidade.

O mesmo nesta entrevista: a propósito dos Portugueses e dos Brasileiros, da literatura ou da descoberta pessoal do país do outro, Miguel Sousa Tavares revela a sua inteligência e wit, enquanto Luís Fernando Veríssimo se perde poucos furos acima da banalidade. Fossem as respostas por e-mail e outro galo cantaria. (Quase) literalmente.

13.9.12

Entre a acefalia e a bicefalia: uma viagem ao Bloco de Esquerda (segurem-se bem!)

Já sabemos que a Esquerda é arrogante: considera-se mais solidária, mais defensora dos desfavorecidos, mais justa, mais desinteressada, mais pensadora, mais cultural – e mais humilde, claro está. A Direita, obviamente, é o oposto: move-se pelo lucro, pelos interesses, pelo poder, pelos capitalistas, etc., etc., etc. Corolário desta arrogância de Esquerda: quando faltam os argumentos, apelida-se a Direita de fascista, nem que seja completamente a despropósito.

Também já sabemos que quanto mais à Esquerda, maior a arrogância. Basta ouvir um discurso de Louçã para percebermos que aquele homem é senhor da verdade do mundo e, claro está, que os oponentes são a escumalha da Terra. Por isso soa como um pregador puritano que nos tenta fulminar com a sua mensagem: o Bloco detém a Verdade Pura, a Direita é o desvio, a personificação do Mal.

Obviamente, segundo a propaganda do Bloco a sua ideia de Democracia é a mais pura e a sua ideia de organização interna é a única que assegura verdadeira democraticidade no seio de um movimento político.

Exploremos um pouco mais estas ideias propagandeadas.

O Bloco defende realmente uma democracia diferente. Apelida o sistema democrático representativo vigente de “falsa democracia” ou de “democracia burguesa”. Em alternativa, propõe uma democracia “directa”. Esta consiste em níveis sucessivos de assembleias supostamente abertas à participação de todos, discutindo tudo, decidindo colectivamente, de preferência por consenso.

Por isso se excitaram tanto com as Assembleias Populares que começaram a surgir em Espanha e com o movimento Occupy Wall Street. Tentaram replicar a ideia por cá, com o (in)sucesso que conhecemos. Aquele aglomerado de pessoas e piolhos que se reunia na Praça da Batalha, no Porto, com frases tão líricas quanto vazias, deveria supostamente galvanizar o Povo do Porto, levá-lo a discutir o futuro da cidade e do mundo e encostar às cordas a Democracia Representativa. Em vez disso, como sabemos, não conseguiu a adesão de ninguém a não ser deles próprios e de uns jovens alemães e espanhóis que viajam pela Europa a pregar as maravilhas da democracia directa a troco de alojamento e comida grátis – turismo low-cost político, uma novidade.

A verdade é que o Povo do Porto ignorou olimpicamente a Assembleia Popular da Batalha, como o Povo de Lisboa ignorou a Assembleia do Rossio e o Povo de Nova Iorque a Assembleia do Occupy.

Como reagiu o Bloco?

Primeiro, com a habitual vitimização. A culpa, obviamente, é do sistema. As pessoas andam enganadas pela Comunicação Social, temerosas de afrontar os interesses (a vitimização face a uma suposta repressão terrível dos poderes intalados é outra constante da Extrema-Esquerda), adormecidas pela descrença na possibilidade de mudança, perseguidas à bastonada pela polícia (no Chiado, depois de insultarem e atirarem objectos a polícias que nada lhes tinham feito, lá veio a polícia de intervenção dar umas bastonadas para contentamento da sua teoria da forte repressão policial).

Segundo, com a certeza que uma correcta “consciencialização” do Povo irá mudar tudo, nascendo uma nova Democracia (haja paciência para esta gente, nunca aprendem nem desistem).

Para os bloquistas, não podem é restar dúvidas que esta forma de democracia “directa”, “popular” e “colectivista/consensual” é a única forma de Democracia verdadeira, a única forma de Democracia pura.

Muito interessante é a transposição destes conceitos de Democracia para o seu funcionamento interno enquanto movimento político.

Seria de imaginar que o Bloco teria uma organização interna “directa”, “popular” e “colectivista/consensual”, certo?

Eles tentaram, mas falharam.

Numa primeira fase, a Mesa Nacional era o órgão máximo do movimento. Não havia nenhum líder e todas as decisões seriam tomadas por esse órgão colectivo.

Era a acefalia (ausência de cabeça ou líder) a que me refiro no título deste artigo.

De facto, ao falar em acefalia bloquista não queria insinuar que a massa cinzenta não abunda para aqueles lados (se bem que…). Queria apenas aludir a esta ideia purista de ausência de líder, de decisões colectivas/consensuais, de poder partilhado por todos, que supostamente está no DNA do Bloco e estaria nesta primeira liderança colectiva.

Claramente esta ideia provém das correntes trotsquistas dentro do Bloco e é herdeira da crítica de Trotsky à ditadura do regime soviético de Estaline. Para Trotsky, um dos principais desvios do comunismo soviético face ao socialismo “puro” era a natureza ditatorial do regime – embora nunca se tenha queixado da mesma enquanto esteve no topo do poder, no tempo de Lenine, mas enfim...

Voltando à evolução do tipo de liderança no Bloco: obviamente esta organização acéfala era muito bonita mas pouco ou nada prática. Imagino que o tempo de resposta nem sempre seria o melhor.

Passaram então a uma segunda fase, em que entenderam útil eleger um líder. Perdão, um Coordenador! A designação não era casual: o Bloco nunca poderia ter um líder ou presidente. Mesmo um secretário-geral (ou qualquer outra designação que evidenciasse um “primus inter pares”) seria uma traição ao espírito colectivista. Abrenúncio!: Louçã seria um mero Coordenador, um instrumento para agilizar a implementação das decisões colectivas.

Todos sabemos que Louçã foi bem mais do que isso, mas o manto moral tinha de ser preservado.

Entramos agora na terceira fase, a da sucessão de Louçã. E este, apesar de todas as grandiloquentes proclamações colectivistas, não resistiu à tentação muito pouco democrática de escolher sucessor, qual monarca árabe. Então e a discussão colectiva? Então e a decisão por consenso? Então e a superioridade democrática face aos outros partidos? Era tudo um castelo de ilusões em vias de ruir estrondosamente.

De facto, inicialmente Louçã escolheu João Semedo. E houve quem não gostasse, nomeadamente os ex-UDP. Só depois dos ex-UDP recusarem a escolha de João Semedo é que começaram a procurar uma outra solução.

E que solução foi essa? A bicefalia! A liderança passará a ser detida por João Semedo e Catarina Martins.

(Uma curiosidade: recentemente eram os ex-PSR – Louçã e companhia limitada –, supostamente trotsquistas e, portanto, colectivistas, que queriam uma solução de liderança individual com João Semedo; e eram os ex-UDP – Fazenda y sus muchachos –, supostamente maoístas e, portanto, menos dados a lirismos de liderança colectiva, que queriam uma solução colectiva. Ainda agora se vê que são os ex-PSR a querer a solução bicéfala e os ex-UDP a querer a solução colectiva, donde se vê também que as diferenças têm mais a ver com personalidades e nomes do que com elevados princípios morais e democráticos. Isto vai começar a aquecer para aqueles lados!)

Esta solução bicéfala tem muitos aspectos curiosos:

Desde logo, há uma clara indigitação dos novos líderes pelo Querido Líder cessante, muito longe da democracia interna de qualidade supostamente superior que tanto apregoam. As eleições directas do PSD, do PS e do CDS são claramente mais democráticas que esta solução imposta de cima para baixo.

Depois, é claramente uma solução de compromisso entre dirigentes de topo desavindos, mais uma vez de cima pra baixo, alienando a totalidade dos militantes que se vêem perante um facto consumado.

De facto, eu entenderia que continuasse a existir apenas um líder ou que se voltasse a uma solução colectiva. O que não entendo é a solução bicéfala.

De facto, porquê dois líderes?

Se fosse só um seria menos democrático? Isso significa que a liderança de Louçã foi pouco democrática?

Quando é só um, há tendência para o autoritarismo? Isso significa que a liderança de Louçã foi autoritária? A solução de um só líder não resultou? Isso significa que a liderança de Louçã falhou?

E porquê dois e não três ou quatro ou vinte? O que torna a liderança bicéfala melhor que uma liderança tricéfala, quadricéfala, multicéfala?

Para revestir esta solução com um manto de elevados princípios morais e políticos, os proponentes desta solução apelidaram-na de “paritária”. O Bloco poderia assim manter a sua arrogância política: estaria de novo na vanguarda política, sendo o primeiro partido político a ter uma liderança “paritária”. Que modernos!

Mas, mais uma vez, porquê paritária em género sexual e não paritária em origem geográfica, alguém do interior e alguém do litoral? Ou paritária em orientação sexual, alguém hetero e alguém homo? Ou paritária em idade? As possibilidades de combinação paritária são infinitas!

E porque estão a excluir os transsexuais e transgenderistas? Logo o Bloco, que tanta atenção dedica a estas questões de géneros!

A verdade é que o número não revela a qualidade democrática da liderança. Não se é mais democrático por se ter dois em vez de um.

De facto, um líder (individual) pode respeitar integralmente as regras democráticas, executar apenas o programa do mandato que lhe foi conferido e consultar periodicamente os seus eleitores. E, do mesmo modo, uma liderança grupal pode mandar sem ouvir ninguém fora desse grupo restrito nem atender ao interesse geral – chama-se a isso Oligarquia e já existe desde a Grécia Antiga.

Donde que podem tentar cobrir esta solução de liderança com mantos de democracia avançada, paritária, progressista, o que quiserem. A verdade é esta: é uma solução de recurso, imposta de cima para baixo, que nada tem de democrática.

O manto caiu: falam em democracia “directa”, mas na verdade querem é que seja controlável; falam em democracia “popular”, mas na verdade querem é que seja ditada pelos seus próceres; e falam em democracia “colectivista/consensual”, mas na verdade querem é que seja manipulada para os seus objectivos. O autoritarismo sempre latente na extrema-esquerda está a vir ao de cima.

Obviamente, nem todos no Bloco estão a aceitar isto passivamente.

Assim, terminamos esta viagem ao Bloco com um vislumbre do destino a que não poderá escapar: o Bloco vai explodir, por entre diferenças insanáveis de estratégia por motivos de elevadíssima moral política que conduzirão a conflitos tristes que estilhaçarão o Bloco em mil pedaços. Ok, vá, talvez não em mil mas pelo menos em seis ou sete.

Numa coisa concordo com eles: o futuro será melhor. Só que não será deles – felizmente!

7.7.11

Livres

Neste momento, em Portugal, precisamos que todos os homens e mulheres Livres dêem um passo em frente. Ninguém se pode demitir da responsabilidade actual para com o nosso país. Precisamos que as decisões difíceis sejam apoiadas e, mesmo, exigidas por todos aqueles que sabem em que situação estamos e que não devem obediência a nenhum grupo de interesses.

Precisamos de todos os que são livres dos partidos, dos sindicatos, dos aventais, da obra, dos grupos económicos, dos grupos mediáticos, dos grupos religiosos, dos grupos profissionais, dos grupos académicos, da função pública, das agências de rating, dos especuladores, dos monopólios, dos oligopólios protegidos, dos oligopólios escondidos, dos lobbies e de todo e qualquer grupo de interesse que para aí exista.

Mas como assim seríamos poucos, precisamos também dos que são livres nos partidos, nos sindicatos, nos aventais, na obra, nos grupos económicos, nos grupos mediáticos, nos grupos religiosos, nos grupos profissionais, nos grupos académicos, na função pública, nas agências de rating, nos especuladores, nos monopólios, nos oligopólios protegidos, nos oligopólios escondidos, nos lobbies e em todo e qualquer grupo de interesse que para aí exista.

Precisamos de ouvir a sua voz na sociedade cada vez que um grupo de interesses procure manter o seu benefício em detrimento do bem comum.

Precisamos de ouvir a sua voz na sociedade cada vez que um grupo de interesses lance a agitação e tente o descrédito.

Precisamos de ouvir a sua voz na sociedade se o novo Governo tardar no inadiável ou tergiversar no caminho.

Mas também precisamos de ouvir a sua voz dentro do grupo de interesse, quando este procure manter o seu benefício em detrimento do bem comum.

Mas também precisamos de ouvir a sua voz dentro do grupo de interesse, quando este procure lançar a agitação e o descrédito.

Mas também precisamos de ouvir a sua voz dentro do Governo e dos partidos que o suportam, se estes tardarem no inadiável ou tergiversarem no caminho.

Porque se os seres livres deste país não o fizerem, de forma bem audível, estamos perdidos.

Há que apoiar a salvação de Portugal e há que exigir a salvação de Portugal. Sejamos livres para isso.

2.3.11

The Third Man, autobiografia de Peter Mandelson




Para quem não o conhece, Peter Mandelson foi uma eminência parda do New Labour (nem sempre muito parda, diga-se). Foi o "spin doctor" de serviço, o manobrador de bastidores, o sargento a pôr discretamente as tropas na ordem.



O título da sua autobiografia, "The Third Man", remete para tudo isso: era o terceiro homem, depois de Tony Blair e de Gordon Brown.



Mandelson acompanhou os dois desde cedo, muito antes de Blair chegar à liderança do partido. Acompanhou o percurso dos dois amigos, viu Brown a ser apontado como futuro líder durante anos e anos, espantou-se com a ascensão imparável de Blair na recta final. Tentou acalmar um frustradíssimo Brown e servir de ponte entre ele e Blair. Mas Brown nunca deixou de desconfiar que Mandelson o traiu em favor de Blair, o que ele nega veementemente.

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Com a chegada do Novo Trabalhismo ao poder, assumiu cargos governamentais de apoio próximo ao Primeiro-Ministro mas de nebulosa definição. Blair pedia-lhe simplesmente que fosse Peter, isto é, que participasse na definição da comunicação do Governo, que tratasse dos assuntos quentes, que fechasse as negociações complicadas, mas sem um cargo executivo típico. Que manobrasse nos bastidores movendo energias para atingir objectivos de outros e não às claras numa função ministerial mais tradicional.
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Este é um dos pontos mais interessantes de todo o livro. Perpassa aí uma frustração por não se conseguir libertar da imagem de homem do backstage nem, consequentemente, conseguir ser visto seriamente como estratega político ou como implementador de políticas. Nunca conseguiu libertar-se da imagem de mestre em politics, mas não em policies.



Numa opinião muito pessoal, não fica nada claro que essa imagem seja injusta. De facto, ao longo de toda a obra, Mandelson dedica muito mais tempo às manobras políticas que às discussões ideológicas, muito mais tempo às lutas internas do partido que às reformas estruturais do Governo, muito mais tempo ao seu relacionamento com outros protagonistas políticos da época do que às suas estratégias governativas, muito mais tempo ao sound-byte que ao pensamento estruturado. Mesmo o seu grande êxito político, a sua participação no processo de paz na Irlanda, foi uma participação mais de negociador fora dos holofotes mediáticos do que de implementador de políticas públicas.



Portanto, queixa-se de ser visto injustamente como manobrador-mor mas acaba por dedicar a maior parte das páginas a descrever como foi manobrador-mor.



Note-se que este qualificativo não é necessariamente negativo. Nessa tarefa ele seria provavelmente brilhante - e não é uma tarefa fácil. Provavelmente livrou Blair de muitas dores de cabeça. Deu um impulso fundamental às negociações no Ulster. Foi o único que conseguiu travar e, mesmo, inverter um pouco as tendências de descida de Gordon Brown primeiro-ministro.



Mas fica clara a amargura que sentiu por não ser reconhecido como um estratega político, um ministro competente, um homem de Estado.



O outro aspecto interessante deste livro é a perspectiva próxima, muito próxima, do que foi o New Labour e, nomeadamente, das relações nos círculos políticos restritos dos dois primeiros-ministros. Podemos acompanhar toda a História do trabalhismo inglês da viragem do século, conhecer os protagonistas, dissecar as rivalidades e as lutas internas, conhecer o funcionamento dos governos de então, perceber melhor o fim de Blair e de Brown.



Pelo meio, várias dicas sobre como sobreviver na Política mediatizada actual. Um bom exemplo? "Nunca ir falar com os jornalistas sem ter uma boa história preparada para lhes dar".



A ler, decididamente.




14.12.10

Carlucci vs. Kissinger

Portugal esteve poucas vezes sob os olhares do mundo. Devemos ter despertado algum interesse na Europa e no Norte de África quando tentávamos empurrar os mouros d'aquém mar para além mar, acrescentámos o olhar dos indianos e dos árabes quando desviámos a rota das especiarias para o Cabo da Boa Esperança e concentrámos a atenção (por uns 3 ou 4 dias) dos impérios de há 100 anos quando assassinámos brutalmente el-Rei e o Príncipe herdeiro.
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E, claro, tivemos o PREC. O triângulo inamoroso que foi a luta entre comunistas, esquerdistas radicais e democratas pró-ocidentais pelo futuro de Portugal viria a apaixonar e preocupar o mundo político de então.
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Os Estados Unidos, obviamente, acompanhavam de perto a situação. Tudo o que menos queriam era um regime comunista na Europa Ocidental, que eventualmente contagiasse as tentativas espanhola e grega de transição para a democracia e ameaçasse pressionar as democracias de Itália e França, que tinham fortes partidos comunistas. Os EUA pura e simplesmente não podiam dar-se ao luxo de Portugal ser para a Europa do Sul o que Cuba fora para a América Latina. Este era o grande receio do Secretário de Estado Kissinger.
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Por isso, quando a revolução portuguesa começou a acelerar, trocaram de Embaixador, indo buscar Frank Carlucci. Carlucci tinha duas vantagens: era um diplomata inteligente, astuto e experiente em revoluções (e, provavelmente, em colaborações estreitas com a CIA); e era amigo pessoal de Donald Rumsfeld (sim, esse mesmo), que na altura era Chefe do Gabinete do Presidente Gerald Ford. Este último pormenor viria a ser crucial.
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Kissinger tinha uma visão mais distante. Se Portugal era importante, não era propriamente a única coisa na cabeça dele. Guerra fria, Vietname, ameaça nuclear, tudo estava em cima da mesa. Além disso, Kissinger era um académico muito conhecedor da história da diplomacia mundial, que portanto tinha alguma tendência para ver a situação portuguesa à luz da história da expansão comunista recente e das teorias político-diplomáticas que acreditava explicarem a sucessão dos acontecimentos.
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Carlucci estava no terreno e era um homem "do terreno". Sabia os nomes dos protagonistas, estava bem informado, geria bem as relações com os democratas pró-ocidentais (PS, PSD e CDS, basicamente). Sabia que a situação em Portugal era complexa mas que provavelmente não iria descambar para o comunismo, se as coisas fossem bem geridas.
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Para Kissinger, isto era insuficiente. Para ele, o Embaixador deveria ser mais duro e conseguir a clara expulsão dos comunistas do poder em Portugal. Não gerir a situação, intervir na situação. Quando isso se revelou impossível, Kissinger adoptou a tese da "vacina". Portugal parecia um caso perdido que ou se encaminhava para o comunismo ou para um regime de ditadura esquerdista utópica, porventura não-alinhada. Portanto deveria ser marginalizado, expulso da Nato, abandonado financeiramente. Ao tornar-se um país pobre, periférico e isolado, Portugal seria a vacina contra o comunismo no resto da Europa do Sul.
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Carlucci considerava Portugal tudo menos perdido. Colocava os excessos revolucionários em perspectiva e acreditava que a maioria da população estava contra os lunáticos do PREC.
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Foi-se assim desenvolvendo um confronto entre Carlucci e Kissinger, que é o cerne deste livro de Bernardino Gomes e Tiago Moreira de Sá.
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Kissinger queria retirar o apoio a Portugal, tirá-lo da NATO, remetê-lo ao isolamento. Carlucci queria que se apoiassem veementemente os esforços democratizadores e enfrentou frontalmente... o seu chefe. Claro que tinha as costas quentes, i.e., o acesso directo a Rumsfeld e, portanto, ao Presidente.
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E assim o livro leva-nos a uma história de lutas políticas, manobras diplomáticas, chefias contornadas e conversas duras, entre Lisboa e Washington. Está extremamente bem documentado, resultando numa investigação académica exaustiva, de leitura agradável e cativante.
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A não perder.
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28.11.10

JSD

Estou no Congresso da JSD. Tenho 35 anos e só aqui estou (como Convidado) porque a minha mulher é Delegada ao Congresso. Como ela pensa pela sua cabeça, como as eleições para os órgãos nacionais são daqui a poucas horas, como já todos terão decidido o seu sentido de voto e como não penso que a minha opinião influencie quem quer que seja na JSD, posso escrever aqui o que quiser.
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Posso por isso dar a minha opinião livre. Ouvi muito neste Congresso e, creio, ouvi os principais oradores. Ouvi intervenções de qualidade e outras nem tanto. Ouvi ambos os candidatos. Com segurança, posso dizer que espero que o Duarte Marques seja eleito Presidente da JSD. Pela sua preparação, capacidade de liderança, empenho e dinamismo, a JSD sairá a ganhar por muitos anos.
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Boa sorte, Duarte!

29.10.10

Caros Governantes Socialistas:

Não digam que não foram avisados. Não digam que a culpa é da crise financeira mundial. Não digam que a Oposição tem de ser responsável, como se os Governos socialistas o tivessem sido em 12 dos últimos 15 anos.
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Este alerta foi feito a 16 de Dezembro de 2000, pelo então deputado Rui Rio (que exactamente um ano depois seria eleito Presidente da C. M. Porto, mas na altura nem candidato a candidato era - pelo menos publicamente), no primeiro evento político que organizei. Nesse ano de 2000 a crise ainda não tinha chegado ao bolso dos Portugueses (começaria a fazer-se sentir no ano seguinte), Guterres, Sócrates e Cravinho deliravam com as auto-estradas de portagem virtual (como então se chamava às SCUTs) e parecia que tudo se podia comprar a crédito, do frigorífico às férias, passando pela casa e pelas auto-estradas. Depois... depois logo se veria. E viu-se, e vê-se.
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Este diagnóstico foi feito há dias e é em tudo semelhante.
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Não venham agora dizer que o PSD não avisou, que o PS não podia imaginar, que o mundo mudou em três semanas, que os políticos são todos iguais. Não são. E hoje temos de mudar rapidamente de Governo, porque os socialistas claramente não souberam gerir o país nos 12 anos dos últimos 15 em que estiveram à frente do Governo do país.
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Mudemos!
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22.10.10

Porque se calam os jornalistas?

Serei o único a achar que os jornalistas não fazem perguntas verdadeiramente difíceis, daquelas de entalar, a Teixeira dos Santos e a Sócrates?

Que alguém os devia obrigar a deixar de pôr as culpas nos mercados, nas agências de rating, no mundo-que-mudou-em-15-dias, na Grécia, na Irlanda, na Espanha, em Wall Street e no diabo a quatro?

Que deviam indignar-se quando os socialistas apelam ao sentido de responsabilidade da Oposição, quando eles são os mais irresponsáveis?

Que deviam perguntar porque falharam o PEC I e o PEC II, sendo nós o único país europeu em dificuldades financeiras a ver crescer a despesa, incluindo a corrente e mesmo não contando com os juros da dívida?

Que deviam perguntar incisivamente porque devemos acreditar que desta vez é que é, que desta vez é que vão controlar as contas públicas?

Serei o único a achar isto?

Ou sentem-se todos intimidados? O caso Manuela Moura Guedes terá sido, afinal, um aviso? "Quem se mete com o PS, leva"? É isso?